Os franceses continuariam a votar “non” à Europa, dez anos depois

Referendo sobre tratado constitucional foi há uma década.

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O "não" francês foi um sismo no sistema político francês Philippe Wojazer / Reuters

A 29 de Maio de 2005, 55% dos eleitores franceses rejeitaram o texto constitucional europeu. Dois dias depois, a Holanda, outro país fundador da União Europeia, rejeitou-o igualmente em referendo, ainda mais claramente (61%). “Foi um choque enorme”, dizem os que na altura eram funcionários das instituições comunitárias, em declarações ao jornal Le Monde.

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A 29 de Maio de 2005, 55% dos eleitores franceses rejeitaram o texto constitucional europeu. Dois dias depois, a Holanda, outro país fundador da União Europeia, rejeitou-o igualmente em referendo, ainda mais claramente (61%). “Foi um choque enorme”, dizem os que na altura eram funcionários das instituições comunitárias, em declarações ao jornal Le Monde.

Estas rejeições conduziram à reescrita do ambicioso documento. Em vez de um documento único com todas as regras de funcionamento da União Europeia, o que veio a ser o Tratado de Lisboa, assinado em Dezembro de 2007 e que entrou em vigor em 2009, modifica outros tratados, mas adiciona-se apenas aos anteriores, sem os substituir. Ainda assim, passou pelo susto de ser reprovado num primeiro referendo pela Irlanda, em 2008. Só em Outubro de 2009 os irlandeses lhe deram luz verde, numa segunda consulta.

Compreende-se, com este historial, o receio que a palavra “referendo” desperta nos líderes europeus. François Hollande, que era o líder do Partido Socialista na altura do “não” francês, e que tinha apostado tudo na campanha pelo “sim”, viu o seu partido fortemente dividido – com o o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, a liderar a facção do "não" e os eleitores do PS a comporem a maior fatia dos franceses que votaram pelo não, 29,8%. 

A vitória do “não” em 2005 travou os planos de Hollande para se candidatar à Presidência da República em 2007 – quem se impôs como candidata socialista foi a sua mulher de então, Ségolène Royale, que perdeu face a Nicolas Sarkozy.

Não admira, por isso, que o primeiro-ministro britânico não encontre em Hollande um ouvinte favorável às exigências de reformas na UE antes da realização de um referendo sobre a permanência do Reino Unido nos Vinte e Oito.

No “não” dos franceses à Constituição europeia houve uma forte componente de política nacional, e de sanção ao Presidente Jacques Chirac, que lançou o processo de consulta, dizem os analistas. Foi a primeira manifestação clara de uma fractura entre as elites e o povo, disse à AFP Jérôme Fourquet, director de opinião pública da IFOP. As classes médias votaram 62% contra, quando em 1992, no referendo sobre o tratado de Maastricht, só 53% se opuseram.

Essa insatisfação atravessou a esquerda e a direita, e nenhum partido beneficiou especificamente com este resultado. No entanto, uma década depois, pode dizer-se que a Frente Nacional é que congrega mais o voto destes eleitores inquietos com a sua própria desqualificação social, concluiu Yves Bertoncini, director do Instituto Jacques Delors, numa nota publicada no site da Fundação Jean Jaurés, ligada ao PS.