Enfermeiro diz ter sido despedido depois de ter gozado licença de paternidade

Ordem abre, pela primeira vez na sua história, inquérito disciplinar a enfermeira directora.

Foto
Por ter sido pai a 28 de Maio de 2014, João resolveu gozar todos os dias de licença permitidos por lei. Foi dispensado em Julho Rui Gaudêncio

João Guterres queixou-se à Ordem dos Enfermeiros (OE) que, pela primeira vez na sua história, abriu um inquérito disciplinar a uma enfermeira directora. “Se eu soubesse que ia ser pai não o tinha contratado”, terá dito a responsável durante uma reunião do serviço de urologia/hematologia em que estava presente a maior parte da equipa de enfermagem, segundo conta o enfermeiro que está a equacionar a hipótese de processar o hospital. “Sou enfermeiro há 14 anos sempre com um desempenho impecável . Cheguei lá [ao hospital de Viseu] e em dois meses fui despedido”, insurge-se.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

João Guterres queixou-se à Ordem dos Enfermeiros (OE) que, pela primeira vez na sua história, abriu um inquérito disciplinar a uma enfermeira directora. “Se eu soubesse que ia ser pai não o tinha contratado”, terá dito a responsável durante uma reunião do serviço de urologia/hematologia em que estava presente a maior parte da equipa de enfermagem, segundo conta o enfermeiro que está a equacionar a hipótese de processar o hospital. “Sou enfermeiro há 14 anos sempre com um desempenho impecável . Cheguei lá [ao hospital de Viseu] e em dois meses fui despedido”, insurge-se.

João não será caso único, segundo a Ordem. Num inquérito feito pela OE este ano, mais de um terço (35%) dos enfermeiros que responderam disse ter sentido dificuldades em usufruir dos direitos de maternidade ou paternidade previstos na lei. A maior parte afirmou ter sido pressionado para gozar menos dias de licença no trabalho, mas 14 revelaram que foram despedidos ou não viram o seu contrato renovado depois de serem pais ou mães. A esta “auscultação” responderam 4926 profissionais.

João Guterres exibe uma carta com elogios ao seu trabalho, assinada pela enfermeira que o chefiou no Hospital de S. João (Porto), onde trabalhou durante 12 anos. Lembra que tem uma especialidade em enfermagem médico-cirúrgica e duas pós graduções e conta que decidiu ir para Viseu porque a companheira vivia lá.

Candidatou-se num concurso de recrutamento aberto pelo Centro Hospitalar de Tondela Viseu (CHTV) e em Abril de 2014 foi chamado para cumprir um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado. Rescindiu então com o hospital do Porto e mudou-se de armas e bagagens para Viseu, onde a companheira estava prestes a ter o filho.

Começou a trabalhar em 2 de Maio, o filho nasceu em 28 desse mês e João entregou o pedido de licença parental que gozou em parte (os pais têm dez dias de licença obrigatória). Avisou, entretanto, que iria usufruir de mais um período previsto na lei (que estabelece a possibilidade de outros 10 dias de licença facultativa e ainda a hipótese de o pai ficar um mês de licença em vez da mãe).

Em 28 de Julho, diz ter sido completamente surpreendido com uma carta de “denúncia de contrato”, a qual  invocava um parecer negativo da enfermeira chefe relativamente ao seu desempenho como motivo para o despedir.

Na nota que inclui as explicações da enfermeira chefe para o director de recursos humanos, esta destaca que João”esteve ausente do serviço por licença de parentalidade, situação esta que se vai repetir por longo período, o qual (sic) tem direito” . Acrescenta que ele “não se encontra integrado no serviço, apresentando limitações a nível dos registos de enfermagem” e “não mostra interesse ou espírito de iniciativa”, apesar de se revelar “receptivo à crítica construtiva”. Como o período experimental (três meses) do contrato de trabalho terminava a 8 de Agosto, este podia ser denunciado “sem invocação de justa causa nem direito a indemnização”, frisava o director de recursos humanos.

Inconformado, João, que passou vários meses no desemprego e actualmente ganha “cinco euros à hora” numa instituição privada, queixou-se a todas as entidades possíveis – Ordem dos Enfermeiros, Comissão Para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, que estão a investigar o caso e a ouvir ambas as partes. As investigações têm-se arrastado, mas a OE decidiu já avançar com o inquérito disciplinar, porque o enfermeiro tem colegas que terão ouvido as polémicas declarações e se dispõem a testemunhar.

João revela ainda que cometeu um erro na administração da terapêutica a um doente, que tratou de comunicar aos superiores, e que terá sido dito aos colegas que esse erro iria ser invocado, caso ele avançasse com uma acção judicial contra o hospital. “Quiseram intimidar-me”, lamenta.

O PÚBLICO tentou falar com a enfermeira directora, sem sucesso, e confrontou o Centro Hospitalar de Tondela Viseu com as denúncias de João. A resposta, via gabinete de comunicação e imagem, foi a de que neste centro hospitalar a denúncia de contratos de trabalho “resulta, única e exclusivamente, do desempenho do contratado no âmbito das funções que lhe são adstritas”. A unidade garante que “em situação alguma o gozo de direitos legalmente previstos pelos trabalhadores foi” ali “objecto de qualquer condicionante nas deliberações do Conselho de Administração”.