"Núcleo de deontologia" do Ministério Público

O tratamento digno dos presos, preventivos ou a cumprir pena, constitui um sinal de civilização e cultura que esperamos do Estado de Direito e que não esperamos do estado totalitário. Exige-se , desde logo, de quem tem a profissão de magistrado. Em razão de princípios de carácter universal, de quem, no exercício do seu trabalho, deve actuar com independência e isenção. Ter sempre em atenção a regra constitucional de que até à condenação definitiva se é inocente.

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O tratamento digno dos presos, preventivos ou a cumprir pena, constitui um sinal de civilização e cultura que esperamos do Estado de Direito e que não esperamos do estado totalitário. Exige-se , desde logo, de quem tem a profissão de magistrado. Em razão de princípios de carácter universal, de quem, no exercício do seu trabalho, deve actuar com independência e isenção. Ter sempre em atenção a regra constitucional de que até à condenação definitiva se é inocente.

A questão é política, não disciplinar. A Procuradora-Geral da República bem o percebeu, ao contrário da maioria do Conselho. O juízo de desvalor é político e social.

No âmbito dos direitos civis e políticos, os magistrados não padecem de nenhuma capitis deminutio ou limitação de cidadania. O grande princípio é sempre o da liberdade. Apenas impedidos de actividades político-partidárias de natureza pública. Não são esquecidos pela hierarquia se pisam essa limitação estatutária. O poder hierárquico supõe que, impondo coactivamente a disciplina, se afirma como poder. Como autoridade. A limitação destina-se mais a defender a isenção da Justiça do que a punir o magistrado. Não há hierarquia que não sinta uma atracção quase sensual pela punição.

O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) acabou por instaurar um inquérito com que investigaria faltas disciplinares supostamente cometidas no Facebook. Aproveitou-se para criar um “núcleo de deontologia”, uma equipa de sábios que vai pedagogiar e explicitar o Estatuto dos Magistrados. Verter a sua ideologia e moral em normas a impor aos subalternos. Vai “reflectir e promover acções de sensibilização e prevenção em matérias de ética e deontologia”!

Não há serviço do Estado que se apazigue e contente com o respectivo estatuto aprovado pela Assembleia da República ou Governo. Não há chefe que não aspire a postar assinatura no regulamento interno: no código de boas práticas, no código de ética e de conduta. Instrumentos que nada dizem para além da repetição de ideias presentes nas regras gerais. Acrescentos moralistas. Conselhos paternalistas aos destinatários. Inutilidades com que se pretende domar os subalternos. Sem conteúdo, mostram quem manda.

Tudo cabe na definição de infracção disciplinar tal como o Estatuto do Ministério Público a desenha. O conceito é tão genérico que a hierarquia ajuíza como entende. Hoje assim, amanhã de outro modo.

O Estatuto do Ministério Público é um texto completo sobre deontologia. Regras atinentes aos seus magistrados. As regras estão lá todas. O CSMP criou um “núcleo de deontologia”. Vai transmitir mais regras aos magistrados. As “suas regras” de deontologia. Acções de catecismo sobre deontologia. No terreno, como ora se diz. Um legislador. Política e socialmente o julgamento está feito. Não é lisonjeiro.