Franceses em estado terminal vão poder “dormir antes de morrer para não sofrerem”

Embora não satisfaça defensores do suicídio assistido nem agrade aos que pensam que se foi longe de mais, lei que prevê “sedação profunda e contínua” foi aprovada por larga maioria.

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Ministra da Saúde disse que "os grandes avanços em questões sociais são aceites por uma grande maioria" Charles Platiau/AFP

A nova lei abre a porta à inédita possibilidade de “dormir antes de morrer para não sofrer” – nas palavras de um dos autores da lei, Jean Leonetti, médico e deputado da UMP, oposição de direita. O outro, o socialista Alain Claeys, destaca a vantagem de permitir aos doentes um fim de vida “tranquilo e sem dor”.

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A nova lei abre a porta à inédita possibilidade de “dormir antes de morrer para não sofrer” – nas palavras de um dos autores da lei, Jean Leonetti, médico e deputado da UMP, oposição de direita. O outro, o socialista Alain Claeys, destaca a vantagem de permitir aos doentes um fim de vida “tranquilo e sem dor”.

O largo consenso que a proposta obteve entre os deputados permitiu que a lei fosse aprovada por 436 votos contra 34. A votação foi perturbada por um pequeno incidente: tiras de papel onde estava escrito “Não à eutanásia” e “R como resistência” foram lançadas das galerias da assistência sobre deputados de esquerda.

Apesar desse episódio, Claeys e Leonetti encontraram um denominador comum aceite pela esmagadora maioria dos deputados. Embora não satisfaça os defensores do suicídio assistido nem agrade aos que pensam que se foi longe de mais, a nova lei não suscitou reacções extremadas.

Numa sondagem publicada no domingo, 96% dos franceses inquiridos declarou-se favorável à “sedação profunda e contínua”, quando pedida pelo doente. Mas o estudo BVA-Orange-iTELE revela que o apoio cai para 82% nos casos, também previstos na nova lei, em que, na impossibilidade de o doente poder exprimir a sua vontade, a sedação seja decidida pela equipa médica.

“Alguns poderiam esperar que se fosse mais longe, mas foi feita uma escolha. Os grandes avanços em questões sociais são avanços partilhados e aceites por uma grande maioria da população”, disse a ministra da Saúde, Marisol Touraine, citada pelo diário Libération.

O artigo central da lei Claeys-Leonetti tinha já sido aprovado na semana passada. O texto, que terá ainda que ser ratificado pelo Senado, cumpre uma promessa eleitoral do Presidente, François Hollande, que em 2012 defendeu um “consenso” para melhorar a legislação e permitir que os cidadãos tivessem “assistência médica para terminar a vida com dignidade”. O chefe de Estado quis evitar a repetição de uma fractura como a causada pela legalização do casamento homossexual, em 2013, que continua a ser contestado por católicos mais conservadores e por uma parte da direita.

A lei aprovada nesta terça-feira  passa também a obrigar os médicos a respeitarem a recusa pelo doente de terapias agressivas, desde que essa rejeição tenha sido previamente expressa, observa a AFP. Até agora, as “directivas antecipadas” do doente em fim de vida deviam ser tidas em conta mas não eram imperativas pelos médicos. Quando a lei entrar em vigor, explica o Libération, a vontade do doente passa a prevalecer sobre o entendimento da equipa médica, “excepto em casos de emergência” e durante o tempo necessário a “uma avaliação completa da situação”.

Em Portugal, o doente pode, graças ao testamento vital, também designado como directiva antecipada de vontade, expressar a vontade sobre os cuidados que quer, ou não, receber em fim de vida, caso esteja impossibilitado de o expressar de forma autónoma.

O debate sobre a eutanásia foi relançado em França no ano passado, em consequência de dois casos muito mediatizados: o julgamento de Nicolas Bonnemaison, médico que acabou por ser absolvido de acusações de ter encurtado a vida a sete pacientes em estado terminal; e a discussão do caso Vincent Lambert . O destino deste último, um homem em estado vegetativo, hoje com 38 anos, que em 2008 sofreu um acidente de viação que o deixou tetraplégico e com lesões cerebrais graves, está a ser discutido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.