Nutrição e cuidados de saúde primários: chave para mais saúde

Gerir "saúde" não deveria ser só gerir "doença".

Gerir "saúde" não deveria ser só gerir "doença". 

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Gerir "saúde" não deveria ser só gerir "doença". 

Na lógica da relação entre "oferta" (de cuidados) e a "procura" (número de pessoas doentes) rapidamente se conclui que é tempo de olhar para a redução da "procura", através da promoção da saúde. Uma população mais saudável consome menos cuidados de saúde.

O padrão alimentar dos portugueses tem vindo a transformar-se. A população, fruto das condições sócio-económicas, com o elevado desemprego, pobreza e insegurança alimentar, decorrentes da crise, poderá estar a comer pior.

Estas circunstâncias estão na base de estados de malnutrição que afectam de forma mais intensa os indivíduos mais frágeis da população, em particular os idosos, o que propicia a fragilização do sistema imunitário e instalação de doenças oportunistas, sem esquecer o rosário de doenças crónicas, como as doenças cardiovasculares, a diabetes mellitus, o cancro e a obesidade, que são das que mais consomem cuidados no SNS e estão relacionadas com maus hábitos alimentares.

Estes são desafios que uma política de saúde não pode deixar de enfrentar, sob pena de continuar a ver a "procura" de cuidados aumentar, sem que com o aumento de recursos, humanos, materiais e financeiros, lhes consiga dar uma resposta cabal.

Em Portugal, os Cuidados de Saúde Primários (CSP) são o melhor local para conduzir intervenções de proximidade que capacitem os indivíduos e as comunidades para mais e melhor saúde e os nutricionistas, que aí trabalham, são especialmente habilitados a concretizar, com sucesso, estas intervenções.

E não é de agora que o fazem. Embora existam em reduzido número, espalhados pelos diferentes ACES do país, e com um lamentável desincentivo no seu incremento por parte do Governo, integram equipas multidisciplinares, onde as suas competências de investigação, planificação e monitorização de intervenções em saúde pública, valoriza o trabalho de todas as outras unidades funcionais dos ACES, trabalhando na melhoria dos hábitos alimentares da população abrangida e no controlo de doenças que têm vindo rapidamente a aumentar em Portugal, como a diabetes mellitus e a obesidade.

A intervenção dos nutricionistas nos CSP não se reduz à imagem de um profissional de bata branca, fechado num consultório a "prescrever" dietas.

É necessário reflectir seriamente como é que os CSP podem ser melhores organizações promotoras de saúde e como potenciar a intervenção de nutricionistas.

A  "municipalização" de parte dos Cuidados de Saúde Primários não será certamente o caminho. Parece-nos apenas uma delegação restrita de poderes para as autarquias ficando por provar os anunciados ganhos de eficiência.

A evidência científica é clara: a alimentação é dos determinantes com maior impacto na protecção e promoção da saúde. Melhorar o estado nutricional da nossa população deverá ser um desafio para as políticas públicas do nosso País. Os CSP são o palco de excelência para o fazer e os nutricionistas deverão ser um dos actores principais.

Miguel Rego e Alexandra Bento

Nutricionista e Bastonária da Ordem dos Nutricionistas