Fertagus recusa pagar à Refer os 4,5 milhões de aumento da portagem ferroviária

Contrato de concessão prevê que a empresa prescinde de indemnizações compensatórias do Estado, mas que este não lhe aumentará a taxa de uso.

Foto
Em 2011, Governo aumentou em 55% a taxa de uso para os comboios de passageiros Miguel Madeira

Em 2010, a Fertagus e o Estado renegociaram o contrato de concessão do serviço ferroviário no eixo Norte-Sul (Lisboa-Setúbal). A empresa privada prescindiu, desde essa altura, de receber quaisquer indemnizações compensatórias do Estado e assumiu todos os riscos de exploração. Mas, em troca, o Estado comprometeu-se a não fazer nenhum aumento extraordinário da taxa de utilização da infra-estrutura.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Em 2010, a Fertagus e o Estado renegociaram o contrato de concessão do serviço ferroviário no eixo Norte-Sul (Lisboa-Setúbal). A empresa privada prescindiu, desde essa altura, de receber quaisquer indemnizações compensatórias do Estado e assumiu todos os riscos de exploração. Mas, em troca, o Estado comprometeu-se a não fazer nenhum aumento extraordinário da taxa de utilização da infra-estrutura.

Mas foi precisamente isso que aconteceu no ano seguinte. A vinda da troika e a necessidade de equilibrar as contas públicas levaram o Governo a aumentar a taxa de uso (portagem ferroviária) em 55% para os comboios de passageiros.

Para a Fertagus, isto representava o completo desequilíbrio das suas contas, pois só a taxa de uso representa cerca de 13% dos seus custos totais. Acresce que, com a crise instalada, a empresa começa a perder passageiros. Entre 2012 e 2014, a procura reduziu-se em 20% quando as estimativas calculadas aquando do renegociação do contrato de concessão apontavam para um crescimento de 1% ao ano.

A empresa comunicou à tutela que, por força do novo contrato de concessão em vigor, não lhe competia suportar esse aumento extraordinário da taxa de uso e continuou a pagar apenas a portagem com os montantes anteriores ao aumento de 55%.

O Governo demorou a reagir. Em Novembro de 2013 dois despachos do Ministério das Finanças nomeiam uma comissão para renegociar o contrato de concessão. Mas esta nada adiantou. É que para a UTAP (Unidade Técnica de Acompanhamento das Parcerias Público-Privadas), o contrato ferroviário da Fertagus são trocos quando comparado com os problemas das PPP rodoviárias.

O PÚBLICO contactou a Secretaria de Estado dos Transportes, mas não obteve resposta.

Cristina Dourado, administradora da Fertagus, salienta que desde 1 de Janeiro de 2011 que a empresa não recebe um cêntimo do Estado e tem vindo a operar com todos os riscos do seu lado, para mais num contexto de crise e de quebra da procura.

Em 2012, a empresa chegou até a devolver ao Estado meio milhão de euros referentes a 2011, no âmbito da partilha de receitas decorrente do contrato de concessão. “Partilha da receita e não dos lucros”, sublinha a administradora. “Porque nesse ano até tivemos meio milhão de euros de resultados líquidos negativos”.

A evolução dos resultados da Fertagus espelha a perda de passageiros: em 2010 teve lucros de 4 milhões de euros, mas em 2011 perdeu 500 mil euros e nos dois anos seguintes teve prejuízos de 700 mil euros. Em 2014 atingiu resultados próximos de zero.

É claro que estes valores teriam sido outros, muito mais penalizadores, se a empresa tivesse assumido o pagamento do acréscimo resultante do aumento da taxa de uso.

Cristina Dourado diz que o modelo negociado em 2010 contemplava um equilíbrio das contas da empresa que não só não tinha custos para o Estado como previa entregar-lhe 75% das receitas para além de um determinado patamar de proveitos. Situação que, por via da redução da procura, só aconteceu em 2011.

Creches nas estações
A Fertagus opera entre Lisboa e Setúbal numa extensão de linha com 54 quilómetros, tendo também a seu cargo a exploração das estações da margem Sul. A gestão dos espaços comerciais proporciona-lhe receitas que não vão além dos 3% do total dos proveitos, mas constituem um forte estímulo ao uso do transporte ferroviário.

Uma das inovações da empresa foi a criação de creches e jardins-de-infância nas estações, como acontece no Fogueteiro e Foros da Amora (a do Pragal vai reabrir em breve depois de ter estado fechada). A maioria dos pais que ali deixam os seus filhos são, naturalmente, clientes da empresa, pois apanham o comboio para Lisboa.

A par dos supermercados nas estações, outra aposta ganha que dá atractividade àqueles espaços e ao uso do modo ferroviário são os ginásios. Há-os no Pragal, Foros de Amora e Fogueteiro e constituem uma solução prática para quem os usa na ida ou no regresso do trabalho.

A empresa está agora focada no reequilíbrio da suas contas, mas não exclui o prolongamento da operação desde Roma

Areeiro até à gare do Oriente, “cozendo” assim a margem Sul com a grande estação multimodal da margem Norte. Mas para isso precisa de mais quatro comboios em circulação, decisão que depende do Estado (ver PÚBLICO de 21/12/2014: “Há linha e há comboios, mas não há serviço entre a margem Sul e a gare do Oriente”).

De resto, a Fertagus não tem frota própria, pois as 18 composições com que opera pertencem à Sagesecur, uma empresa que é detida pela Parpública, à qual paga o correspondente aluguer.