A polémica família que Irina Popova revelou (e quase destruiu)

A fotógrafa russa mergulhou na intimidade de um jovem casal de toxicodependentes e da sua filha bebé. Mostra esse projecto na Pickpocket Gallery de Lisboa, onde também lança o livro e dá um workshop.

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Irina tinha começado a fotografar esta família de três algum tempo antes. A estudar e a fazer fotografia desde os 16, tinha 21 quando recebeu uma proposta para um projecto sobre sentimentos. Foi em 2008 que, ao vaguear pelas ruas de São Petersburgo, junto a uma discoteca, se cruzou com Lilya, uma jovem punk que avançava madrugada fora completamente bêbada ou drogada a empurrar um carrinho de bebé com a filha dentro.

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Irina tinha começado a fotografar esta família de três algum tempo antes. A estudar e a fazer fotografia desde os 16, tinha 21 quando recebeu uma proposta para um projecto sobre sentimentos. Foi em 2008 que, ao vaguear pelas ruas de São Petersburgo, junto a uma discoteca, se cruzou com Lilya, uma jovem punk que avançava madrugada fora completamente bêbada ou drogada a empurrar um carrinho de bebé com a filha dentro.

Irina pediu a Lilya autorização para a fotografar. Lilya sonhara um dia ser modelo – deixou-se fotografar em várias poses ali mesmo, numa das fotos deitada de barriga para baixo na rua, cara contra o asfalto. Acabou depois por deixar Irina acompanhá-la. “Acabámos no seu quarto pequeno e desarrumado, num apartamento partilhado, onde o seu namorado e outras pessoas se encontravam a festejar desde há muitos dias”, explica a fotógrafa russa, citada no texto com que a Pickpocket Gallery divulga a exposição Another Family, a inaugurar já na próxima quarta-feira, dia 26.

Será o primeiro de uma série de eventos ligados a este conhecido projecto de Popova. A 29, a fotógrafa estará na Feira do Livro de Fotografia da Fábrica do Braço de Prata (às 17h) para o lançamento do livro homónimo, que incluirá uma sessão de autógrafos, e nos dias 5, 6 e 7 de Dezembro dará também na Fábrica do Braço de Prata um <i>workshop</i> intitulado Lisbon. City Stories. O livro inclui imagens que normalmente não integram a exposição Another Family. Popova tirou centenas. Ficou pela casa de Lilya e Pasha por “um período considerável de tempo”, documentando a vida do casal, e, sobretudo, da solitária criança entre adultos toxicodependentes.

Foram duas semanas, diz um artigo de 2012 do diário britânico Guardian. “Tornei-me mais ou menos parte da vida deles. É por isso que esta história se tornou muito pessoal, como um diário”, diz a fotógrafa nos materiais da Pickpocket Gallery.

Popova, que nasceu em 1986 em Tver, formou-se na Faculdade de Jornalismo da Universidade de Tver e, mais tarde, na escola de fotografia e multimédia Rodchenko, em Moscovo. Depois dessas duas semanas iniciais, acompanhou a família por pelo menos um ano – tendo fotografado tanto o segundo aniversário de Afinsa como a sua chegada a um infantário com três anos e já a viver sozinha com o pai, depois de a mãe desaparecer (na verdade, de regresso a casa dos pais, para fazer um programa de desintoxicação).

Afinsa a brincar com cigarros, um deles na boca; Afinsa a ver a mãe ser abraçada e beijada por um desconhecido; Afinsa numas escadas à espera que um dos amigos dos pais a leve a passear; Afinsa sozinha a beber o biberon; Afinsa no parapeito da janela; Afinsa entre as outras crianças da creche…

Em termos temáticos e de estratégia, Another Family segue os caminhos pioneiros traçados por projectos semelhantes de artistas como Larry Clark ou Nan Goldin. No entanto, o mundo em torno de Popova é outro.

A dada altura, Popova foi convidada a expor o seu projecto em São Petersburgo. E com a chegada das fotografias à Internet, no dia seguinte, os pais de Afinsa acabaram por se ver acusados de abuso infantil, tendo sido aberta uma investigação criminal que ameaçava redundar na retirada de Afinsa à família e no ingresso da criança num orfanato.

Popova recusou ser testemunha no caso. Apesar do caos e da falta de higiene, achou – pelo menos na altura – que Afinsa era genericamente bem tratada. “O meu julgamento crítico desliga-se", escreveu a fotógrafa num diário também citado pelo Guardian. “Mergulho nesta atmosfera e torna-se parte da minha vida. Agora eles são apenas boas pessoas. Família. Amigos. Começo a sentir-me bem com eles (como eu sufocava antes!). Deixei de ver o seu estilo de vida como destrutivo.”

Popova acabaria por deixar Lilya e Pasha, ambos alguns anos mais velhos, para fotografar a guerra na Geórgia. No regresso, quando começou a montar a sua exposição, tanto ela como o curador concordaram que Afinsa era “a colher de mel num barril de alcatrão”.

Voyeurismo, exploração, responsabilidade ético-social… As questões que se levantam face a um projecto como o de Popova são quase sempre as mesmas. “Deverá um fotógrafo ser apenas uma testemunha do que está a acontecer em frente à sua objectiva, ou terá ele obrigação moral de mudar a situação?”, questiona-se a própria fotógrafa, que entre 2011 e 2013 foi artista residente da  Rijksakademie de Amesterdão e que publicou entretanto também o livro If You Have a Secret (Dostoevsky Publishing).

Entretanto, Popova, que tem trabalho publicado, entre outros, no Guardian, no New York Times e no Sunday Times, expondo individual e colectivamente em vários países, continuou sempre a visitar a família. “Esta história teve um grande impacto em mim como fotógrafa e como pessoa.”