Os novos novos anos 80

Olhando em perspectiva, esta é definitivamente uma década festiva, em que nos permitimos ser felizes. E isto é também história

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Johan Blomström/Flickr

O encharcamento hipermédia em que vivemos, está na origem do excesso de nostalgia das sociedades contemporâneas. Nunca como hoje nos interessámos tanto pelo passado, nunca como hoje vivemos tanto e tão aceleradamente no presente. Paul Virilio, nas suas teses sobre a revolução da era da informática, vaticinou isso mesmo. Isto é: a perda de um lugar no espaço e no tempo, conectados e congelados num “eterno presente”, leva-nos a refugiar num lugar seguro que reconhecemos, o passado. Até porque a memória é criativa e compõe sempre as recordações com uns ramalhetes.

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O encharcamento hipermédia em que vivemos, está na origem do excesso de nostalgia das sociedades contemporâneas. Nunca como hoje nos interessámos tanto pelo passado, nunca como hoje vivemos tanto e tão aceleradamente no presente. Paul Virilio, nas suas teses sobre a revolução da era da informática, vaticinou isso mesmo. Isto é: a perda de um lugar no espaço e no tempo, conectados e congelados num “eterno presente”, leva-nos a refugiar num lugar seguro que reconhecemos, o passado. Até porque a memória é criativa e compõe sempre as recordações com uns ramalhetes.

De há alguns anos para cá, tem-se vindo a assistir a uma nova onda vintage em torno dos anos 80. A euforia recente gerada aquando da criação do site do Frágil, mítico bar lisboeta e ex-líbris da década, é um exemplo actual deste mediatismo. Juntamente com o rock português, a televisão a cores, a moda, o Spectrum, o vídeo, a poesia de Al Berto, é este o cenário que compõe o imaginário colorido desta década. Colorido? Há quem ache que não.

Persistem dois fluxos de memória que nos chegam de duas gerações: os que viveram a revolução de 1974 e olham para os anos 80 como o fim de uma era, da revolução, do sonho; a “geração sem memória”, como lhes chamou Joaquim Vieira, nascidos após o 25 de Abril ou pouco antes, para quem esta década foi o princípio da abertura à Europa e ao mundo e em que deixámos finalmente de ser e estar “orgulhosamente sós”. Esta mesma geração que mergulhou avassaladoramente na mundividência dos “eighties”, desinteressando-se pela política e trocando-a pelos bares, pelos concertos rock e videojogos, diz-se. Eu faço parte dela e não concordo com esta condescendência. E por algum motivo, continuamos a voltar aos anos 80.

Duas ressalvas: não há um corte entre o antes e o depois, estas divisões por décadas são apenas categorias que nos ajudam a arrumar e a pensar a história; não há gerações boas nem más, há apenas sociabilidades e mundividências fruto do seu tempo. E os anos 80 foram tudo isto. É, aliás, nessa complexidade e riqueza que reside o seu lado esplendoroso.

Além disso, olhando em perspectiva, esta é definitivamente uma década festiva, em que nos permitimos ser felizes. E isto é também história: a festa e o embrenhamento numa espécie de “mesmerização” cultural e estética, apesar da crise petrolífera dos anos 70, da Sida e da ameaça nuclear. Eu ainda sou do tempo em que tinha medo que o mundo acabasse a qualquer momento.

Digo que são os novos-novos 80 porque precisamos deles como nunca e julgo que este regresso auspicioso muito tem que ver com o facto de nos termos entretanto esquecido disso mesmo: do direito a sermos felizes, do direito, sim, à cultura de massas, que se democratizou e destronou as fronteiras entre a alta e a baixa cultura. Mergulhamos terrivelmente no drama histórico que nos assola ou vivemos alheados no nosso “cocoon” cibernético. Os anos 80 foram também tudo isso. Com a diferença de que foram mais. Ainda continuam a ser. É preciso aprender com eles.