Oscar de la Renta, um dos últimos românticos da moda

Com a morte do costureiro, aos 82 anos, desaparece um dos nomes de maior glamour da moda. Um homem que sabia olhar as mulheres e torná-las sedutoras e elegantes.

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Com o desaparecimento de De La Renta, que morreu com um cancro na segunda-feira à noite na sua casa no Connecticut, é o fim de uma época na moda norte-americana, escreveram jornalistas e editores em obituários e artigos de opinião. O fim, pelo menos, de uma forma de olhar a mulher. O costureiro nascido na República Dominicana costumava enaltecer, lembram, o seu lado mais feminino e alegre, assumindo que não sabia fazer roupa descontraída. “Há sempre uma dose de emoção em tudo o que fazemos”, dizia este homem que começou a trabalhar em moda na Espanha de Franco, passou por duas das grandes maisons francesas e acabou por encontrar o seu lugar – e que lugar – em Nova Iorque.

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Com o desaparecimento de De La Renta, que morreu com um cancro na segunda-feira à noite na sua casa no Connecticut, é o fim de uma época na moda norte-americana, escreveram jornalistas e editores em obituários e artigos de opinião. O fim, pelo menos, de uma forma de olhar a mulher. O costureiro nascido na República Dominicana costumava enaltecer, lembram, o seu lado mais feminino e alegre, assumindo que não sabia fazer roupa descontraída. “Há sempre uma dose de emoção em tudo o que fazemos”, dizia este homem que começou a trabalhar em moda na Espanha de Franco, passou por duas das grandes maisons francesas e acabou por encontrar o seu lugar – e que lugar – em Nova Iorque.

Considerado um sedutor por muitos dos que o conheciam, misturando um “charme latino natural” com uma “grande astúcia” para os negócios, lembra o diário The Washington Post, De La Renta manteve ao longo de uma carreira de cinco décadas uma carteira de clientes impresionante – primeiras-damas, actrizes e multimilionárias – e mereceu o respeito de colegas de profissão como Valentino ou Yves Saint Laurent. Os seus vestidos elegantes, sobretudo os de noite, tornaram-se para muitas objectos de desejo desde que a antiga primeira-dama Jacqueline Kennedy e a actriz Audrey Hepburn, indiscutíveis ícones da moda, começaram a usá-los em meados dos anos 1960.

“O vestuário que fazia era muito clásico, mas sempre com um toque de actualidade”, diz ao PÚBLICO a directora da Associação ModaLisboa, Eduarda Abbondanza, referindo-se a um criador que ficará na história da moda associado ao glamour e a um certo “chique institucional”.

“Homem sensato”, com uma vida e uma carreira longas, De La Renta soube construir um império duradouro e sem sobressaltos, defende a também professora do curso de Design de Moda da Faculdade de Arquitectura de Lisboa. “A sua carreira não teve grandes picos, mas evolui sempre muito bem, sempre tranquila e elegante, como os vestidos que fazia.”

Mestre Balenciaga
Uma carreira que começa quando, já em Madrid, troca as artes plásticas pelo atelier de Cristóbal Balenciaga, um dos maiores mestres da moda e o homem que viria a ser o seu mentor. O pai queria que lhe seguisse as pisadas no negócio dos seguros, mas a mãe, as seis irmãs e o conselheiro espiritual da família – um padre espanhol que lhe ofereceu o seu primeiro estojo de tintas – alimentaram sempre a sua inclinação para o desenho.

“Quem como Oscar de la Renta vem da escola extraordinária de Balenciaga, dificilmente poderia fugir a um lado elegante e romântico”, diz Abbondanza. Um lado que se perpetuou. O costureiro de 82 anos trabalhou praticamente até ao fim, tendo anunciado há apenas uma semana o nome do seu sucessor na direcção criativa da casa que fundou.

“De todos os designers do mundo, Oscar de la Renta era o mais confiável a desenhar roupa capaz de nos fazer sentir bonitas”, disse a editora da Vogue Alexandra Shulman. “Ele manteve-se sempre fiel à sua convicção de que as mulheres deviam parecer elegantes, alegres e femininas, independentemente das mudanças na moda. Os seus desenhos nunca pareceram velhos nem vulgares. Quando usávamos um dos vestidos do Oscar sentíamos que estávamos no nosso melhor.”

Era simplesmente assim – Oscar – que lhe chamavam clientes e editores de moda. E, nas passerelles de estreias, noites de Óscares e bailes presidenciais, o seu nome tornou-se sinónimo de glamour, seduzindo mulheres de todas as idades, de Hillary Clinton a Emma Watson, de Laura Bush a Cameron Diaz, passando por Sarah Jessica Parker, Taylor Swift, Amy Adams e Amal Alamuddin, a advogada de origem libanesa que escolheu um dos seus famosos vestidos de noiva quando, em Setembro, se casou com o actor e realizador George Clooney: "O George e eu queríamos um casamento romântico e elegante e eu não consigo imaginar alguém mais capaz do que o Oscar para captar esse estado de espírito num vestido", disse na altura Alamuddin Clooney à revista Vogue.

Paris é sempre Paris
Consagrado hoje como um grande criador de moda, De La Renta conduziu sempre de forma muito coerente a sua carreira, escrevem Cathy Horyn e Enid Nemy no diário The New York Times, lembrando alguns dos marcos do seu percurso.

Saído do atelier de Balenciaga para onde entrara no início da década de 1950, instalou-se em Paris onde começou por trabalhar na maison Christian Dior, que viria a trocar, pouco tempo depois, pela Lanvin, colaborando com o designer da casa, Antonio del Castillo, com quem partilhava a língua. “Ele ofereceu-se para me pagar um pouco melhor do que na Dior”, contaria De la Renta mais tarde em entrevista ao Times, evidenciando o seu lado pragmático, o mesmo que o fez com que se quisesse mudar para Nova Iorque, onde já estava em 1963, ano em que se associou à empresária de moda Elizabeth Arden.

A temporada francesa seria decisiva, levando-o a admitir, muitos anos mais tarde, que vencer nos EUA era importante para um costureiro, mas que o reconhecimento internacional só se dava com o aval de Paris (foi o primeiro latino a ser aceite no exclusivo mundo de moda parisiense e, mais tarde, já como cidadão dos EUA, tornou-se o primeiro americano a desenhar para uma casa de alta-costura francesa, lembra ainda o Washington Post).

Trabalhar com Arden abriu um novo mundo, e um novo mercado, para a sua criatividade. E o momento chave da carreira chegou pouco tempo depois, quando, pela primeira vez, foi convidado a vestir a antiga primeira-dama Jaqueline Kennedy. Em 1965 De la Renta lançava a sua própria linha de moda.

Desde essa altura, o desfile de primeiras-damas a solicitar os seus serviços não parou. Betty Ford, Nancy Reagan, Laura Bush e Hillary Clinton tinham muitos dos seus vestidos no armário.

Em 1997, já no segundo mandato de Bill Clinton, o costureiro ajudou Hillary a mudar o seu look, o que a levou a comentar, com uma pontinha de auto-ironia: “Há 20 anos que ele está a trabalhar para me transformar num ícone da moda.” Laura Bush, por seu lado, admite ter-se apaixonado imediatamente por De La Renta, “aliás, como todas as mulheres”. “Do que vou sentir mais falta com a norte do Oscar é da confiança que ele me dava”, disse agora, citada pelo Washington Post. Só Michelle Obama parece não o favorecer. O New York Times refere, a esse propósito, que De La Renta chegou mesmo a censurar a actual primeira-dama por usar roupa de criadores estrangeiros em actos oficiais.

Procurando quase sempre afastar-se de polémicas – o “caso Michelle Obama” foi uma excepção -, De La Renta revelou coragem na adaptação às mudanças culturais, escreve ainda a dupla Horyn/Nemy no New York Times, num artigo em que recordam os seus dois casamentos (com a editora de moda Françoise de Langlade, que como ele viria a morrer com um cancro em 1983, e com Annette Engelhard Reed) e falam dos amigos que recebia em Nova Iorque ou na República Dominicana, de Norman Mailer a Truman Capote, passando por Henry Kissinger e o casal Clinton.

Dizendo que o que sempre quis fazer foi “roupa bonita”, De La Renta admitia que, apesar do sucesso, sentia ainda o peso da sua origem latina, de que aliás se orgulhava: “Tenho este complexo de que, se tentar entrar nalgum lugar vestindo uma camisa colorida, alguém me impeça dizendo: ‘Desculpe, mas a banda latina tem de entrar pela outra porta’.” Na sua morte, é de um costureiro que se fala e o glamour de “Oscar” não é latino nem americano - é universal. Com Sérgio C. Andrade