Mulheres juristas lembram que a idade “potencia o pleno desfrute” do sexo

Associação de Mulheres Juristas critica Supremo Tribunal Administrativo que reduziu indemnização por erro médico a mulher por a sexualidades aos 50 anos "não ter a importância" que tem noutras idades.

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Mulher foi operada na Maternidade Alfredo da Costa. NUNO FERREIRA SANTOS

“Na verdade, não apenas a experiência comum da vida indica de modo óbvio que nenhuma daquelas circunstâncias – a idade e a maternidade – obsta ao exercício daquele direito, mas antes, pelo contrário, potenciam o seu pleno desfrute. Sendo certo que a prática sexual se não esgota ou se reconduz de modo exclusivo à procriação”, consideram as mulheres juristas num comunicado enviado esta segunda-feira. A organização não-governamental existe há 25 anos e dela fazem parte magistradas e advogadas.

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“Na verdade, não apenas a experiência comum da vida indica de modo óbvio que nenhuma daquelas circunstâncias – a idade e a maternidade – obsta ao exercício daquele direito, mas antes, pelo contrário, potenciam o seu pleno desfrute. Sendo certo que a prática sexual se não esgota ou se reconduz de modo exclusivo à procriação”, consideram as mulheres juristas num comunicado enviado esta segunda-feira. A organização não-governamental existe há 25 anos e dela fazem parte magistradas e advogadas.

Em causa está o facto de o STA ter reduzido o valor da indemnização que a Maternidade Alfredo da Costa tem de pagar a uma mulher que ficou impedida de voltar a ter relações sexuais com normalidade depois de ali ter sido operada há já 19 anos. A indemnização reduziu para 111 mil euros a indemnização que a primeira instância tinha estabelecido ser de 172 mil euros.

Um dos argumentos dos juízes, eles próprios com idades entre os 56 e os 64 anos, foi precisamente o de que a doente “já tinha 50 anos e dois filhos”, ou seja, uma “idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”.  

A decisão foi recebida pelas juristas com “estranheza”. Não entendem como é que a idade e os filhos “diminuem de forma relevante o direito a uma vida sexual activa” e defendem que a decisão deve ser reapreciada no Tribunal Constitucional. O advogado da mulher, Vítor Parente Ribeiro, garantiu que vai recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para ver o Estado português condenado por os seus tribunais terem demorado quase duas décadas a tomar uma decisão final sobre o caso. A mulher tem agora 70 anos e é viúva. "Recorrer para o Tribunal Constitucional não está para já em cima da mesa", acrescentou o advogado.

Operada a um problema ginecológico trivial, a empregada doméstica ficou com uma incapacidade permanente de 73%, por lhe ter sido parcialmente lesado, durante a operação, o nervo pudendo. “Pode ter relações sexuais, mas com muita dificuldade”, refere a decisão de primeira instância. A mulher ficou com dificuldades em sentar-se e andar e passou a sofrer de incontinência urinária e fecal. Ficou ainda provado que a mulher, que é casada, passou a sofrer de “perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal”, além de sentir dores e mau estar constante.

A associação de juristas considera que a decisão do STA contraria a “Lei Fundamental” por fundamentar a redução da indemnização com base “entre outros considerandos, no facto de, atenta as idades dos seus filhos, a mesma apenas teria de cuidar do seu marido”. 

Especialistas contactados então pelo PÚBLICO criticaram a decisão dos juízes. “São afirmações que estão erradas do ponto de vista científico. Uma larga percentagem de mulheres tem uma vida erótica mais satisfatória entre os 50 e os 60 anos do que antes, porque se sente mais liberta de tabus”, defendeu o sexólogo Júlio Machado Vaz, que faz questão de distinguir qualidade de quantidade. “Pode ser infinitamente mais gratificante uma relação erótica bissemanal aos 50 e poucos do que uma frequência diária aos 30”, diz.

Também a investigadora do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Ana Carvalheira se mostrou “chocada” com a decisão. “Ilustra muitíssimo bem o modelo de sexualidade infelizmente ainda vigente na nossa sociedade, que negligência a saúde feminina e valoriza a saúde reprodutiva”, criticou.