A política de sustentabilidade do Governo tem dias

Os processos de participação pública são por vezes encarados como obrigações que é preciso cumprir. Claramente não foi o caso da fiscalidade verde.

Desde que Moreira da Silva tomou posse, as coisas mudaram. Não falo das políticas de conservação da natureza ou de ordenamento do território, que me continuam a parecer inconsistentes (para ser simpático), mas de outras matérias mais ligadas à energia, economia do carbono e fiscalidade verde, onde claramente se melhorou.

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Desde que Moreira da Silva tomou posse, as coisas mudaram. Não falo das políticas de conservação da natureza ou de ordenamento do território, que me continuam a parecer inconsistentes (para ser simpático), mas de outras matérias mais ligadas à energia, economia do carbono e fiscalidade verde, onde claramente se melhorou.

Este desequilíbrio da política do Governo é também visível no projecto de reforma para uma fiscalidade mais alinhada com preocupações ambientais, com suas propostas agarradas “maioritariamente ao sector da energia e transportes, abrangendo também o sector da água (14), dos resíduos (10), do urbanismo e planeamento do território (6), das florestas (4) e da biodiversidade (2).”

Diga-se que este desequilíbrio é, em si mesmo, de esperar num projecto de reforma da fiscalidade verde: a energia e os transportes seriam sempre as estrelas da companhia. A forma tão acentuada como isso se verifica é que só se consegue explicar com a falta de atenção ao ordenamento do território – largamente confundido com urbanismo, como se demonstra pelo facto das propostas sobre a fiscalidade das propriedades abandonadas estarem arrumadas no sector das florestas, e não do ordenamento do território – e à biodiversidade.

A falta de interesse sobre estas matérias não afecta apenas o Governo. As organizações não-governamentais de ambiente (ONGA) quase se abstêm de fazer propostas em matéria de biodiversidade, sendo mais interessantes os comentários sobre o pagamento de serviços de ecossistema que faz a CONFAGRI, que as tímidas propostas das ONGA.

Não é, no entanto, sobre o conteúdo da proposta – aliás interessante e merecedor de atenção – que gostaria de escrever, mas sobre o exemplar processo de discussão da proposta.

Foi possível mobilizar um conjunto alargado de propostas e, muito mais importante, fossem de grandes organizações, como a CGTP, ou de pessoas comuns, como eu, a comissão avaliou todas as sugestões e comentários, de forma exaustiva, publicitou esses comentários (na medida em que os envolvidos não pediram reserva), sistematizou cada um dos contributos, organizou-os e deu-lhes resposta.

Não se trata de cada um se ver reconhecido na proposta final. Por exemplo, fico muito satisfeito com a recomendação de transparência na gestão dos fundos ambientais e fico muito insatisfeito por continuarem a poder ser usados para financiar o Estado, em vez de pagarem serviços de ecossistema efectivamente produzidos pelos agentes económicos e sociais.

Não é pois o facto de cada recomendação ser acolhida ou não que torna o processo exemplar, mas o facto de cada recomendação ser objecto de análise e resposta, quer integrando o seu conteúdo nas propostas e recomendações, quer recusando a sua adopção, sempre explicando e fundamentando as opções da comissão.

Eu sei que não é caso único, é um procedimento relativamente vulgar na discussão dos planos de ordenamento, mas com frequência há alguma displicência na forma como se acolhem, ou não, as propostas e comentários.

Os processos de participação pública são, excessivas vezes, encarados como obrigações que é preciso cumprir. Claramente não foi este o caso.

Tenho pena de que muitos do que tenho visto escrever publicamente sobre estas propostas não tenham levado as suas opiniões até à comissão da fiscalidade verde, porque tenho a certeza de que todos tínhamos ficado a ganhar.

Veremos o que o Governo fará destas propostas, e veremos como pretende dar seguimento às recomendações que procuram definir o caderno de encargos para a futura evolução do assunto.

É que estas recomendações, sendo menos concretas que as propostas, concentram as matérias mais complexas e para as quais há menos informação, exigindo persistência, estudo e vontade, para que futuramente seja possível transformá-las em propostas concretas.

Vai ser preciso o que é raro, a julgar por estes conhecidos versos, com umas centenas de anos: “Nem me falta na vida honesto estudo, com longa experiência misturado, nem engenho, que aqui vereis presente, cousas que juntas se acham raramente”.