As primárias vieram para ficar

As primárias não são perfeitas. Na verdade, nenhuma eleição é perfeita. Mas é bastante reveladora. Revela não só aquilo que os candidatos defendem ou as suas características pessoais, mas também aquilo que pensam que os eleitores querem ouvir

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Nuno Ferreira Santos

O LIVRE organizou eleições primárias abertas para escolher candidatos ao Parlamento Europeu. O PS organizou eleições primárias abertas para escolher um “candidato a Primeiro Ministro”. As primárias, que há décadas se realizam nos Estados Unidos, e que surgiram também já na Europa, em muitíssimo menor escala, e bem mais recentemente, chegaram este ano a Portugal.

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O LIVRE organizou eleições primárias abertas para escolher candidatos ao Parlamento Europeu. O PS organizou eleições primárias abertas para escolher um “candidato a Primeiro Ministro”. As primárias, que há décadas se realizam nos Estados Unidos, e que surgiram também já na Europa, em muitíssimo menor escala, e bem mais recentemente, chegaram este ano a Portugal.

As primárias são eleições. O partido, ou conjunto de partidos, organiza eleições para selecionar candidatos a determinadas posições, ao invés do que tradicionalmente acontece em Portugal, em que essa escolha é deixada às direcções partidárias. As primárias podem ser abertas ou fechadas, consoante aceitem ou não a participação de não-militantes. E, sendo eleições, trazem com elas um período de campanha eleitoral, com debates, comícios e outros eventos mais ou menos públicos.

As primárias não são perfeitas. Na verdade, nenhuma eleição é perfeita. Mas é bastante reveladora. Revela não só aquilo que os candidatos defendem ou as suas características pessoais, mas também aquilo que pensam que os eleitores querem ouvir. Revela ainda alguma coisa sobre a comunicação social: como reage à campanha, como a contextualiza ou não contextualiza, que perguntas faz, que perguntas não faz, que é que exige ou não exige dos candidatos. E revela alguma coisa sobre os eleitores ou potenciais eleitores, quer através da votação, quer através do nível de participação — não se pode ignorar o interesse que as primárias do PS geraram, incluindo o número de simpatizantes que se inscreveu para ir votar, nestes dias de apatia e desencanto com a política. E toda esta informação é importante para os cidadãos e para entender a nossa democracia.

As primárias abertas são criticadas por permitirem a não-militantes afectarem as decisões de um partido do qual não são oficialmente membros, sendo além disso eleições fáceis de falsear, “aglomerando” votantes não-militantes, e portanto mais difíceis de controlar, para o efeito. As associações devem ser primariamente dirigidas pelos seus associados, e não por alguém de fora. Estes argumentos, além de não se aplicarem a primárias fechadas, não me parecem decisivos. Um partido pode legitimamente decidir ter interesse em que não-militantes o ajudem a seleccionar os seus candidatos. E, como em qualquer eleição, terá de haver controlo contra fraudes.

Não defendo que todos os partidos sejam forçados a adoptar o modelo das primárias, abertas ou fechadas. Cada partido deverá decidir, internamente, como se organiza e como faz as suas escolhas. Isso inclui decidir se organiza ou não primárias, abertas ou fechadas. E os cidadãos, ao considerarem a hipótese de se juntarem a um partido ou em quem votar nas eleições, poderão ter essa decisão em conta no momento de escolher. Mas parece-me que, numa altura em que os partidos procuram reagir a críticas contra a falta de transparência e de abertura, as primárias, com todos os seus defeitos e virtudes, vieram para ficar.