Estrangulamentos fizeram com que Portugal perdesse o barco da aquacultura

Com as quotas a apertarem o cerco, a pesca tradicional não tem por onde crescer. A aquacultura seria a opção, mas há muitos estrangulamentos que dificultam a actividade

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A Grécia, que há 20 anos produzia menos do que Portugal, dispõe agora de uma rede que lhe permite atingir uma produção de 130 mil toneladas/ano Virgílio Rodrigues

Este facto não seria muito grave, não fosse o caso de tratar-se de um país onde o peixe é uma das bases da alimentação e onde a pesca tradicional de mar está cada vez mais ameaçada pela degradação dos stocks e pelas quotas de extracção que as autoridades europeias têm vindo a impor, para proteger as espécies mais em risco.

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Este facto não seria muito grave, não fosse o caso de tratar-se de um país onde o peixe é uma das bases da alimentação e onde a pesca tradicional de mar está cada vez mais ameaçada pela degradação dos stocks e pelas quotas de extracção que as autoridades europeias têm vindo a impor, para proteger as espécies mais em risco.

Sem alternativas noutros mares onde o peixe também não é abundante, como era o caso da zona Nafo (Atlântico Nordeste) – onde Portugal já chegou a pescar várias dezenas de milhares de toneladas por ano, especialmente bacalhau–, a opção natural seria a aposta na aquacultura, que não cobre todas as espécies que os portugueses utilizam nas suas cozinhas, mas que sempre serviria para equilibrar um pouco o défice comercial em produtos da pesca, que todos os anos acumulamos (cerca de 700 milhões de euros).

Foi isso que aconteceu com outros parceiros portugueses na União Europeia. A Espanha, por exemplo, cedo despertou para a necessidade de desenvolver o sector da produção em viveiro e é hoje o líder no espaço comunitário, com quase 250 mil toneladas de produção anual. A Grécia, que há 20 anos produzia menos do que Portugal, dispõe agora de uma rede que lhe permite atingir uma produção de 130 mil toneladas/ano.

O que é que falhou, então, em Portugal? Fernando Gonçalves, secretário-geral da Associação de Aquacultores de Portugal (APA), lembra que após a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) houve uma clara aposta no sector, até aí muito limitado à truta de rio. “Fruto dos investimentos realizados, passámos então para uma produção de 6000/7000 toneladas por ano. Desde aí, fomo-nos mantendo nessa ordem de grandeza, até chegar a unidade da Pescanova, de Mira”, refere. Este projecto, com um investimento de 140 milhões de euros, acrescentou uns milhares de toneladas à produção nacional, mas tem navegado num conjunto de vicissitudes associadas à situação da sua casa-mãe, em Espanha.

No fundo, Portugal perdeu o comboio da aquacultura, um sector que emprega 80 mil pessoas no espaço europeu (cerca de duas mil nas explorações nacionais) e que, ao produzir cerca de 1,3 milhões de toneladas por ano, é responsável por cerca de 20% da produção pesqueira dos 28 países membros da União Europeia. Em Portugal, as estações de aquacultura contribuem apenas em 4% para a produção total.

Fernando Gonçalves queixa-se de que o ambiente regulatório não favorece o investimento no sector. “Temos de lutar contra uma série de estrangulamentos que prejudicam a actividade. A burocracia é muito pesada, os problemas de licenciamento eternizam os projectos e falta definir um plano de zonas disponíveis, devidamente estruturadas, que tornem a aposta na aquacultura mais atractiva” afirmou ao PÚBLICO.

O responsável lembra que há projectos que, para entrarem em funcionamento, exigem nove licenças emitidas por nove entidades diferentes. “E são todas vinculativas. Se uma for negada, o projecto vai todo por água abaixo”, afirma Fernando Gonçalves, que acrescenta que os produtores nacionais enfrentam custos de produção superiores aos dos seus congéneres da Espanha e da Grécia. “Os barcos que andam à pesca têm gasóleo subsidiado em 50%, mas um barco que dá apoio a uma estação de aquacultura em mar aberto não beneficia desse apoio. Essa bonificação está prevista no Orçamento do Estado de 2014, mas ainda não foi publicada a portaria.”

Nada que o sector não conheça bem. A bonificação dos seguros dos stocks, que previna situações climatéricas adversas ou outro tipo de acidentes que afectem a actividade, também está prometida desde 2011, mas continua a faltar a portaria regulamentadora. “São situações que nos trazem desvantagens competitivas, que tornam a actividade mais difícil e que afastam opções de investimento”, refere o secretário-geral da APA.

O responsável queixa-se também da fiscalidade que penaliza o sector e dá como exemplo a produção de ostras, onde Portugal tem condições de excelência, num espaço de tempo mais curto e com melhor qualidade do que os seus concorrentes. O problema é que a taxa de IVA aplicada é de 23%, muito acima dos 5,5% aplicados, por exemplo, em Franca. “O que acontece é que, neste quadro, fica mais barato ir comprar os juvenis para criação a França, em vez de criarmos as nossas próprias maternidades, que nos garantiriam rentabilidades mais elevadas e, ao mesmo tempo, uma colecta mais elevada para o Estado”.

Com um quadro que não torna atractiva a aposta na aquacultura, será muito difícil, para Portugal, recuperar o tempo perdido. O mundo despertou para esta aposta há uns 40 anos. Em 1984, dos viveiros de todo o planeta saíam oito milhões de toneladas para um total de 80 milhões oriundos da pesca tradicional. Hoje, os desembarques andarão nos 85 milhões e a produção da aquacultura deverá rondar os 65 milhões.

Fernando Gonçalves lembra que na aquacultura não há quotas nem espécies ameaçadas e deposita esperanças na nova Lei de Bases de Ordenamento do Espaço Marítimo, embora lembre que falta o mais importante, que são as portarias que lhe irão dar substância. E aplaude a criação de duas novas zonas de offshore que entretanto viram a luz do dia, em Monte Gordo e Aveiro. “É um trabalho bem feito, mas falta fazer o mesmo para a orla costeira, onde não faltam também oportunidades”, referiu.