O "não" e o "sim" do Conselho Superior do Ministério Público

A nomeação de António Cluny para a Eurojust, entidade europeia de cooperação judiciária para a área penal, é uma novela bizarra. Modelo do que se não deve nem pode fazer.

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A nomeação de António Cluny para a Eurojust, entidade europeia de cooperação judiciária para a área penal, é uma novela bizarra. Modelo do que se não deve nem pode fazer.

Em Julho, por voto secreto, sem fundamentação, recusou a nomeação de António Cluny para representante de Portugal naquele organismo. Volvidos dois meses, os senhores conselheiros, de espírito mais arejado, leve e folgado do descanso de férias, aprovaram a nomeação de António Cluny para aquele cargo. Por voto secreto. Sem invocação dos fundamentos da deliberação. Nas mesmas condições de facto e de direito que vigoravam em Julho!

Não é abuso de poder. É mutação de humores.

O voto secreto é a predilecção suprema do CSMP. Faz as delícias da irresponsabilidade. Todos responsáveis, ninguém responsável.

Os princípios são a ausência de regras. A falta de transparência. A afirmação de poder.

Já escrevi aqui que António Cluny é um magistrado competente. Que saberá honrar o país na Eurojust. Não se questiona a pessoa. Humilde ao ponto de conformar a rejeição vexatória de Julho com a nomeação gratificante de Setembro.

Questiona-se a metodologia. A falta de clareza e transparência patentes em todo o processo. O CSMP não pode tratar questões de Estado com ligeireza. Com a leviandade com que se versam coisas ligeiras. A deixar a ideia de que oferece um lugarzinho vistoso e bem remunerado na Europa.

A arbitrariedade da autorização é equiparável à da recusa inicial. Por infundamentadas, espelham autoritarismo. O Conselho não pode deliberar com humores bipolares. Tem obrigação constitucional e legal de fundamentar claramente as recusas e deferimentos.

É o órgão superior de gestão da magistratura. A sua face mais visível. As suas deliberações repercutem-se no sistema de Justiça. Por acréscimo, na vida familiar e profissional dos magistrados. As temáticas recusam reservas mentais, motivações ocultas, secretismos, favores. A Justiça é tema muito sério na democracia. Tão sério quanto o voto expresso em liberdade. O profissionalismo dos magistrados, que servem e materializam a Justiça, também. Garantem, no dia-a-dia, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O caso de António Cluny deveria ser bem explicado. O Conselho não goza de mandato para dizer uma coisa de manhã e outra à tarde. Outra talvez à noite. A seu bel-prazer. É impróprio de um órgão superior de Justiça. Manifesta prepotência e pesporrência. Quebra a confiança que nele se deveria depositar. O CSMP está sujeito às regras da democracia e só isto lhe confere legitimidade de órgão superior de Justiça.

O Ministério Público abrange cerca de 1300 magistrados. O Conselho, instalado na santidade do seu poder, não os ouve. As divergências e confronto de ideias com a hierarquia superior fazem-se entredentes nos corredores. Os atropelos digerem-se passiva e silenciosamente. É o poder do voto secreto! Que semeia respeitinho e medo.

A ética e a coragem moral não se vendem a retalho no mercado. 

Não se pense em abuso de poder. É maneira de ser!     

Procurador-Geral Adjunto