Impossibilidade e limite

As imagens de Edgar Martins documentam o irremediável fracasso de uma ambição humana: lidar com a infinita imensidão do espaço.

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A complexidade da relação humana com o espaço materializa-se na sofisticação tecnológica dos instrumentos usados para o abordar

A exploração espacial é um caso exemplar desta crise do conhecimento humano, porque tenta tornar quantificável, reconhecível e mapeável a grandeza infinita do universo, cujas extensão, configuração e composição desconhecemos quase totalmente. O espaço — esse incognoscível infinito — é, fundamentalmente, um lugar de indeterminação onde sediamos todas as nossas ambições, bem como todos os nossos receios. Sítio a que mal podemos fazer face e que se tornou no locus do bem e do mal, origem de todas as bênçãos que podemos ganhar, bem como de todas as energias desconhecidas que podem afligir, liquidar ou, pelo contrário, salvar a vida da Terra. O espaço, e com ele as estrelas e todos os planetas, são, para o modo humano de habitar a terra, a origem da vida e demonstração da nossa mortalidade. Não tendo em vista lidar com esta zona das experiências humanas, a exploração espacial transforma-as em dispositivos materiais, ou seja, dá uma forma material e um lugar físico à ambição humana de traçar a topografia da imensidão espacial.

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A exploração espacial é um caso exemplar desta crise do conhecimento humano, porque tenta tornar quantificável, reconhecível e mapeável a grandeza infinita do universo, cujas extensão, configuração e composição desconhecemos quase totalmente. O espaço — esse incognoscível infinito — é, fundamentalmente, um lugar de indeterminação onde sediamos todas as nossas ambições, bem como todos os nossos receios. Sítio a que mal podemos fazer face e que se tornou no locus do bem e do mal, origem de todas as bênçãos que podemos ganhar, bem como de todas as energias desconhecidas que podem afligir, liquidar ou, pelo contrário, salvar a vida da Terra. O espaço, e com ele as estrelas e todos os planetas, são, para o modo humano de habitar a terra, a origem da vida e demonstração da nossa mortalidade. Não tendo em vista lidar com esta zona das experiências humanas, a exploração espacial transforma-as em dispositivos materiais, ou seja, dá uma forma material e um lugar físico à ambição humana de traçar a topografia da imensidão espacial.

A nova série de Edgar Martins desenvolve-se a partir deste fascínio epistemológico, metafísico e poético pelo espaço. O seu ponto de partida não é um lugar espacial, mas a Agência Espacial Europeia (ESA). Um lugar que dá forma à complexidade que a relação humana com o espaço representa e que se materializa na complexidade dos instrumentos e na sofisticação tecnológica — tão bem conhecidas dos filmes de ficção — que as missões espaciais têm como condição. 

A estes aspectos poderiam juntar-se as questões políticas e o modo como a ESA é também um lugar de negociação entre a Terra e os lugares lunares, interplanetários e, ao que sabemos, infinitos. E a fotografia é o modo de fazer a esta intensa complexidade: imagens simples para lidar com a complexificação intensa dos processos e mecanismos que podem levar o homem da Terra ao espaço. Ou, como coloca Sérgio Mah num ensaio publicado no catálogo da exposição, estas imagens demonstram a capacidade da fotografia para representar a realidade tal como ela é formada pela tecnologia.

Há um outro aspecto que importa realçar e que diz respeito ao confronto exibido por estes trabalhos entre o silêncio e o vazio que se sentem ao ver as imagens e a intensidade visual dos objectos e das arquitecturas fotografados.

Este fascínio pela tecnologia e pelo desafio que ela coloca ao modo fotográfico de organizar e representar o mundo não é uma novidade no panorama da fotografia contemporânea. O que constitui a grande fertilidade destes trabalhos de Edgar Martins é o modo como esta não é uma série celebratória dos avanços humanos pelo espaço desconhecido e indeterminado, estando antes devotada a mostrar o fracasso ou, como coloca o fotógrafo, a impossibilidade de conter o infinito do espaço. Neste sentido podemos entender estas fotografias como sendo sobre os limites e as impossibilidades do homem, enquanto habitante terreno, para conter a imensidão do universo, ou seja, o infinito — e esta é uma constatação poética porque para a ciência é só uma questão de tempo até que os nossos aparelhos e tecnologias estejam suficientemente desenvolvidos para com sucesso dominar o espaço ilimitado das estrelas.