Com 35 anos de atraso, líderes dos Khmer Vermelho condenados por crimes contra a humanidade

O "irmão número dois" Nuon Chea e o então Presidente Khieu Samphan condenados a prisão perpétua. São os primeiros dirigentes do regime encabeçado por Pol Pot a conhecer o veredicto.

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Nuon Chea, “número dois” de Pol Pot e considerado o ideólogo do regime, e o então Presidente Khieu Samphan mantiveram-se impávidos enquanto o juiz os declarava culpados de “extermínio, perseguição política e outros actos desumanos como transferências forçadas, desaparecimentos e ataques à dignidade humana”.

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Nuon Chea, “número dois” de Pol Pot e considerado o ideólogo do regime, e o então Presidente Khieu Samphan mantiveram-se impávidos enquanto o juiz os declarava culpados de “extermínio, perseguição política e outros actos desumanos como transferências forçadas, desaparecimentos e ataques à dignidade humana”.

Decretada a prisão perpétua — pena máxima prevista pelo tribunal especial apadrinhado pelas Nações Unidas —, os sobreviventes e familiares das vítimas irromperam em aplausos, lágrimas e gritos de exaltação. “Nunca esquecerei o sofrimento, mas é um grande alívio para mim. É uma vitória e um dia histórico para todos os cambojanos”, disse à AFP Khieu Pheatarak, hoje com 70 anos, que em 1975 foi obrigada, como todos os habitantes de Phnom Penh, a abandonar a capital sob ameaça de execução.

Para cumprir uma utopia maoísta de uma sociedade agrária pura, onde não houvesse moeda nem cidades, após tomarem o poder os Khmer Vermelho esvaziaram em poucos dias os centros urbanos do país, numa das maiores marchas forçadas da história moderna. Quem desobedecesse era executado, o mesmo destino dado a quem fosse considerado inimigo do povo — intelectuais, membros do regime anterior ou membros das minorias.

A economia colapsou e a fome, as doenças, as purgas de um regime paranóico e os trabalhos forçados nas cooperativas agrárias criadas às ordens de Pol Pot mataram dois milhões de pessoas. O pesadelo só terminaria em 1979 quando as tropas vietnamitas invadiram o Camboja, instalando um governo aliado e empurrando para a selva os guerrilheiros Khmer.

Mas foi preciso esperar até 2003 para que o regime de Phnom Penh acordasse com as Nações Unidas a criação de um tribunal com participação para julgar os responsáveis pelas atrocidades e mais oito anos para que Chea, agora com 88 anos, e Samphan, de 83, se sentassem finalmente no banco dos réus. Pol Pot, o “irmão número um”, morreu em 1998 na selva, sem nunca ter sido preso ou acusado. Ta Mok, último chefe militar dos guerrilheiros conhecido no Camboja como “o carniceiro”, foi preso em 1999 mas morreria sete anos depois sem ter sido julgado.

"Os Khmer não eram más pessoas"
Em tribunal, os dois octogenários nunca reconheceram ser responsáveis pelas atrocidades que lhes imputavam. Khieu Samphan afirmou que o seu papel era sobretudo cerimonial e que não tinha qualquer poder real sobre o regime. Nuon Chea — que a acusação diz ter sido uma das peças centrais no sistema de purgas posto em marcha pelos Khmer — admitiu ter “responsabilidade moral pelos prejuízos causados ao país”, mas disse não ter participado no plano de execução definido por Pol Pot e garantiu que os membros do Khmer Vermelho “não eram más pessoas nem o bando de criminosos” que a história retrata.

Uma versão diferente da que apresentou, em 2007, no documentário Os inimigos do povo, quando reconheceu que os Khmer executaram os “criminosos” que consideravam impossíveis de “reeducar”, recorda a AFP. “Eles foram mortos e destruídos. Se os tivéssemos deixado viver, a linha do partido seria desviada. Eles eram os inimigos do povo.” Excertos do documentário, da autoria do jornalista cambojano Thet Sambath, foram passados durante o julgamento, perante a impassibilidade do “irmão número dois”.

Os dois antigos dirigentes, que permanecem na prisão, já fizeram saber que pretendem recorrer das sentenças, um processo que vai decorrer em paralelo com a segunda parte do julgamento, em que Khieu Samphan e Nuon Chea são acusados de genocídio — crime relacionado com a perseguição aos imigrantes vietnamitas e à minoria muçulmana do país —, bem como os crimes cometidos nos campos de trabalhos e prisões. As acusações constavam de um único processo mas, em 2011, o tribunal decidiu dividi-las em duas partes para conseguir um veredicto ainda em vida dos dois responsáveis.

No início do julgamento, outros dois responsáveis sentaram-se no banco dos réus, mas Ieng Sary, chefe da diplomacia dos Khmer, morreu no ano passado aos 87 anos, e a sua mulher, a antiga ministra dos Assuntos Sociais Ieng Thirith, foi libertada e declarada inapta devido a demência. Antes dos veredictos desta quinta-feira, apenas Kaing Guek Eav (“Douch”), comandante da infame prisão S-21 de Phnom Penh — onde 15 mil cambojanos foram torturados antes de ser executados — tinha sido condenado, igualmente a prisão perpétua, pelo tribunal especial.