Avaliação dos centros de investigação chegou à Assembleia da República

Voto de protesto lançado pelo Partido Socialista chumbado pela maioria. Rede de 26 laboratórios exige uma nova avaliação que tenha a visita dos peritos a todas as unidades de investigação do país.

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Os laboratórios de investigação estão a ser avaliados para se determinar o financiamento para despesas correntes entre 2015 e 2020 Miguel Manso (arquivo)

A bola de neve de contestação contra a avaliação dos centros de investigação conduzida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) chegou finalmente ao plenário da Assembleia da República (AR). Um mês após Miguel Seabra, presidente da FCT, ter anunciado os resultados da primeira fase de avaliação, os deputados votaram nesta sexta-feira uma proposta de protesto lançada pelo PS contra os cortes de financiamento que os centros terão na sequência desse processo. A proposta acabou rejeitada pelos deputados da maioria PSD-CDS.

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A bola de neve de contestação contra a avaliação dos centros de investigação conduzida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) chegou finalmente ao plenário da Assembleia da República (AR). Um mês após Miguel Seabra, presidente da FCT, ter anunciado os resultados da primeira fase de avaliação, os deputados votaram nesta sexta-feira uma proposta de protesto lançada pelo PS contra os cortes de financiamento que os centros terão na sequência desse processo. A proposta acabou rejeitada pelos deputados da maioria PSD-CDS.

“O investimento em ciência tem de ser uma ideia partilhada por todos para a defesa dos interesses nacionais”, lê-se na proposta de protesto. Nela, o PS defende que o “cenário calamitoso” da ciência portuguesa, devido ao corte nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela FCT em Janeiro — que deu lugar a um grande protesto no início do ano —, “é agora reforçado com a publicitação dos resultados da primeira fase de avaliação das Unidades de Investigação”.

Há uma semana, a divulgação do contrato entre a FCT e European Science Foundation (ESF), a entidade que coordenou a avaliação, aumentou ainda mais o coro de protestos. No contrato ficou definido previamente que 50% dos centros não passaria à segunda fase da avaliação. Essa última fase destina-se a atribuir o grosso do dinheiro que as unidades vão ter para despesas correntes de 2015 a 2020.

Das 322 unidades avaliadas, só as que tiveram Muito Bom, Excelente e Excepcional (168) passaram à segunda fase. As restantes (154), com Bom, Razoável e Insuficiente, foram excluídas. Só as que têm Bom receberão algum financiamento, o que significa que quase metade das unidades ficará com a corda ao pescoço. Por causa destes resultados, 40% dos centros contestaram-nos.

Entre as críticas estava o facto de os painéis de avaliação, organizados pela ESF, não terem especialistas em várias áreas do saber. As unidades também não foram visitadas na primeira fase de avaliação, o que nunca ocorreu nas avaliações anteriores.

Cientistas conhecidos, como Carlos Fiolhais, Manuel Sobrinho Simões e Alexandre Quintanilha, o Sindicato Nacional do Ensino Superior ou o reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra, vieram a público criticar a avaliação. Para Cruz Serra, o processo de avaliação “está ferido” na sua seriedade e a FCT deveria ter “humildade para reconhecer os erros”.

Nesta sexta-feira, Miguel Seabra apareceu a responder às críticas: disse que Cruz Serra cometeu “erros factuais graves”. À agência Lusa disse: “O que está escrito no contrato refere-se a custos e, para calcular custos, tem de se fazer estimativas e as estimativas foram baseadas no último exercício de avaliação, de 2007, onde, de facto, cerca de 50% das unidades que concorreram à avaliação tiveram a classificação de Bom ou menos.”

No Parlamento, a deputada socialista Elza Pais considerou nesta sexta-feira a eliminação de metade dos centros “chocante”. A iniciativa do PS teve o apoio dos outros partidos da oposição. O deputado Michael Seufert (CDS) defendeu os resultados desta avaliação não apresentam diferenças significativas dos da última avaliação, de 2007 — seguindo assim a mesma argumentação de Miguel Seabra.

“Anomalias gritantes”

Na quinta-feira, Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência, tinha sido obrigado a ir à AR, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, devido a um “pedido potestativo” do Bloco de Esquerda. Nas três horas de debate, só se falou do exame dos professores e nunca da avaliação dos centros de investigação. Às perguntas dos jornalistas, Crato não quis responder.

Ainda na quinta-feira, a avaliação dos centros foi analisada pelo Conselho dos Laboratórios Associados (CLA), uma rede de 26 institutos e cujo secretário é o cientista Alexandre Quintanilha. As “anomalias gritantes” da avaliação devem ser “urgentemente corrigidas”, defende o CLA em comunicado divulgado nesta sexta-feira. “Todas as unidades de investigação devem ser objecto de visitas de avaliação, essas visitas devem ser conduzidas por painéis especializados, e deve ser garantida a continuidade de financiamento-base às instituições avaliadas pelo menos com Bom”, lê-se, acrescentando-se que, nas novas regras, uma unidade com Bom “será na prática extinta”.

O CLA considera a política de “ruptura” do Governo uma “irresponsabilidade política”: “Pode um sistema científico funcionar sem um grande número de centros de investigação de boa qualidade, embora não excepcionais? Não pode, em parte alguma do mundo.”

Ouvida pelo PÚBLICO, a imunologista Maria de Sousa, professora emérita da Universidade do Porto, não defende a impugnação do processo de avaliação, ainda que ela “possa vir a ser juridicamente inevitável”: “Ainda há algum espaço na audiência prévia [período em curso de reclamação dos resultados] para se perceber bem o que se não fez e se poderia ter feito. Isso é talvez tão importante e mais exemplar do que impugnar”, diz. “A audiência prévia dá-nos a todos o espaço para provarmos que passámos a ser um país que se deve fazer respeitar internacionalmente pela maturidade da sua qualidade científica.”

Miguel Seabra — que Maria de Sousa considera ter tido até aqui uma “convicção cega, sem dúvidas e de que está certo” e uma “insensibilidade” em relação à comunidade científica que deveria representar — ainda está a tempo de voltar atrás. Por que não, em vez de impugnar, dar ao presidente da FCT, também um cientista, a oportunidade de corrigir a avaliação, refere a conhecida imunologista. “Um cientista deverá ser o primeiro a dar o exemplo de reconhecer erros que possa ter cometido, mesmo com a melhor das intenções, e procurar corrigi-los sabendo as limitações do que pode fazer.”