Doações de Álvaro Siza excluem Matosinhos e a Universidade do Porto

O arquitecto do Pavilhão de Portugal destinou o seu arquivo ao Canadá, às fundações Gulbenkian e de Serralves, mas também à Câmara do Porto. De fora da escolha de Siza ficam a sua terra natal, Matosinhos, e a Fundação Marques da Silva, da Universidade do Porto.

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A “doação” – foi este o termo utilizado por Siza no comunicado enviado à Lusa – ao CCA era esperada, mesmo se essa possibilidade, avançada pelo PÚBLICO na semana passada, levantou alguma preocupação nos meios culturais e políticos nacionais. Mas Siza teria sempre toda a liberdade, e cabia-lhe dizer a última palavra sobre o destino a dar aos testemunhos da sua obra – era esta a posição consensual nos meios da arquitectura.

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A “doação” – foi este o termo utilizado por Siza no comunicado enviado à Lusa – ao CCA era esperada, mesmo se essa possibilidade, avançada pelo PÚBLICO na semana passada, levantou alguma preocupação nos meios culturais e políticos nacionais. Mas Siza teria sempre toda a liberdade, e cabia-lhe dizer a última palavra sobre o destino a dar aos testemunhos da sua obra – era esta a posição consensual nos meios da arquitectura.

Que esse arquivo fosse parar ao Canadá, para ficar ao lado dos espólios e acervos de figuras como Pierre Jeanneret (primo de Le Corbusier), James Stirling, Aldo Rossi ou Peter Eisenman, e numa instituição que desde há já alguns anos vinha “namorando” a obra do autor do Pavilhão de Portugal, era algo que não motivava resistência. Mas havia sempre o receio de que o país ficasse privado de manter entre portas o arquivo do seu arquitecto “mais cosmopolita e internacionalista”, para citar Diogo Seixas Lopes.

Álvaro Siza acabou por decidir distribuir “o ‘mal’ pelas aldeias”, para utilizar uma expressão popular: doou “uma grande parte” do seu acervo ao CCA, mas quis simultaneamente contemplar as fundações Gulbenkian e de Serralves, “duas instituições portuguesas, já com experiência, qualidade e capacidade para desenvolver ou alargar os respectivos arquivos, numa perspectiva de abertura à consulta, divulgação e participação num debate que já não é simplesmente nacional, nem centrado no individual”.

Trata-se de uma “solução que serve os interesses nacionais e garante, ao mesmo tempo, a promoção internacional da obra do mais importante arquitecto português da sua geração”, congratulou-se, em comunicado, o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier. Solução que João Santa Rita, presidente da Ordem dos Arquitectos – instituição que em nenhum momento foi ouvida no processo –, também aplaudiu, por “salvaguardar que parte do acervo fique em Portugal, e em instituições de relevo”.

O arquitecto e investigador André Tavares, que conhece bem o CCA, onde já realizou uma investigação académica, vê também como “positiva” a divisão do arquivo de Siza pelas instituições referidas. “Espero que esse legado, e a confiança que Siza deposita em Serralves e na Gulbenkian, permita que estas fundações construam uma melhor e mais sólida cultura arquitectónica, algo que ainda não possuem”, nota este professor e editor.

Não existindo, nem por parte do arquitecto, nem das instituições citadas, qualquer indicação sobre qual será a natureza da “divisão”, nem que partes caberão a cada uma delas, parece haver alguma racionalidade em imaginar que Siza enviará para o Canadá os testemunhos da sua obra espalhada pelo mundo (Espanha, Brasil, Alemanha, Holanda, Coreia do Sul); para a Gulbenkian, a relativa a Lisboa e ao Sul (Pavilhão de Portugal, reconstrução do Chiado, Évora…), e para Serralves, a do museu da própria fundação (MACS) e da futura Casa do Cinema Manoel de Oliveira, além de outros projectos a Norte (Faculdade de Arquitectura do Porto, Metro, Avenida dos Aliados...).

O presidente de Serralves, Luís Braga da Cruz, manifestou esta quinta-feira ao PÚBLICO a sua “satisfação” por ver Siza depositar “a sua confiança em Serralves para receber uma parte do arquivo”. Mas sem especificar de que arquivo se trata, nem em que condições ele passará a incluir a colecção da fundação portuense. “A vontade de Siza é soberana”, e aquilo que vai ficar em Serralves “será objecto de análise a seu tempo”, disse Braga da Cruz.

O administrador de Serralves salienta também como "muito positiva" a escolha do centro canadiano para acolher o arquivo do arquitecto português, já que se trata de uma instituição “com muita competência e grande mérito técnico nos domínios da museologia” em matéria de arquitectura. Braga da Cruz nota, de resto, que Serralves tem “uma excelente relação de trabalho com o CCA”, que terá frutos já no próximo ano, quando, em Maio de 2015, for apresentada em Montreal a exposição relativa ao programa SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), comissariado por Delfim Sardo, e que no final do próximo mês de Outubro será inaugurada no MACS, no Porto.

Mas às duas fundações nacionais contempladas, Siza acrescenta, no anúncio da sua decisão, a Câmara do Porto, ao manifestar o “apoio” ao projecto do vereador da Cultura de instalar na Galeria do Palácio de Cristal “uma galeria de exposição sobre a Arquitectura na Cidade, constituída em particular por maquetas”.

Paulo Cunha e Silva confirmou ao PÚBLICO ter recebido de Siza, ainda que de forma informal, a disponibilidade para “doar à Câmara Municipal do Porto um conjunto de maquetas e de modelos” que deverão ser instalados na Galeria do Palácio. “São peças que permitem um discurso mais fácil sobre a arquitectura e que favorecem uma comunicação mais empática com os visitantes”, diz o vereador, anunciando a intenção de instalar as maquetas no piso superior da galeria, ao mesmo tempo que o piso inferior acolherá mostras temporárias sobre arquitectura.

Paulo Cunha e Silva admite, contudo, que esta parte do acervo de Siza pode muito bem "ser partilhada” com outras cidades e instituições. “Não vamos aferrolhar a doação, e como temos uma política de coabitação total com outras cidades, nomeadamente, com Matosinhos”, o vereador portuense admite o diálogo com o projecto da Casa da Arquitectura – que parece ter sido excluído das opções de Álvaro Siza.

Reagindo, esta quinta-feira, à decisão do arquitecto da Casa de Chá da Boa Nova, o presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, disse que ela significa que a autarquia pode “passar à fase seguinte” e concentrar-se “no trabalho de preservação e valorização da obra de Siza Vieira” na sua cidade natal. E, lembrando que o projecto que Siza elaborou para a Casa da Arquitectura só não foi avante “fruto do percalço dos 43 milhões” que custava, o autarca manifestou a expectativa de que, quando for em frente, a Casa da Arquitectura possa também expor a obra de Siza, para além do acervo dos seus projectos em Matosinhos, e que são já propriedade da câmara.

Destoando das reacções positivas à decisão de Siza sobre o destino do seu arquivo manifesta-se o seu amigo Alexandre Alves Costa, que, mesmo se salienta que caberia sempre ao arquitecto decidir o que fazer, defendeu que ele devia ser entregue à Faculdade de Arquitectura do Porto, por via da Fundação Marques da Silva. “O que inviabilizou esta decisão foi Siza não ter boas relações com a Fundação Marques da Silva (FMS), com quem nem sequer quis discutir o assunto”, lamenta Alves Costa.

Este arquitecto e professor defende que a FMS – para quem está a projectar a recuperação do antigo atelier que pertenceu ao arquitecto do Teatro de São João – “tem todas as características que lhe permitem vir a ser o grande museu de arquitectura do Porto". Alves Costa considera, por essa razão, que era natural que a obra de Siza aí estivesse representada, ao lado das da família do seu patrono, mas também das de Fernando Távora, Alcino Soutinho, José Carlos Loureiro e outros arquitectos cujos espólios e acervos estão já depositados ou prometidos para esta instituição da Universidade do Porto.

Com Abel Coentrão