António Cluny e o Conselho Superior do Ministério Público

Por vezes, as suas deliberações enternecem.

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Por vezes, as suas deliberações enternecem.

O caso de António Cluny não é inédito. É um magistrado altamente competente. Goza de grande e bem merecido prestígio na magistratura e fora dela. No estrangeiro.

A ministra da Justiça apresentou-o para representante de Portugal no Eurojust, entidade de cooperação judiciária penal europeia. O CSMP rejeitou a proposta. Sem fundamentação. Por voto secreto.

O costume. Quando incapaz de assumir o que pensa e decide, refugia-se no voto secreto. Minimiza o interesse público que deve servir. Humilha os magistrados que deve respeitar.

Ajuíza que a lei reguladora da nomeação do representante na Eurojust fere a Constituição da República. Pode até ferir. Não tem competência para recusar a aplicação de uma lei que tem por inconstitucional. A declaração de inconstitucionalidade das leis cabe aos tribunais. Em última instância, ao Tribunal Constitucional. O CSMP sabe disso. Acoberta-se no voto secreto.

 Voto secreto não é a arbitrariedade. A invejazinha tão comum na magistratura. A revanche sindical. Não dispensa discussão, análise, síntese. Secreto é só o sentido do voto de cada um dos membros.

O voto é a expressão da vontade de cada um dos elementos do órgão. A deliberação é deste. Esta não é, nem pode ser, secreta. Muito menos, infundamentada. As deliberações dos órgãos colectivos não constituem demonstrações de poder/autoridade. Ficariam despidas de qualquer democraticidade.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público é alheio a todo este processo! Não promoveu nem apoiou a eleição dos seus para o CSMP! Que nunca seguem as suas orientações! O seu presidente apressou-se a ratificar a decisão do conselho que "não pode ser um mero verificador de impedimentos legais".

O CSMP desempenha funções constitucionais e legais. Não as que ele ou o sindicato elegem. As declarações retóricas do presidente do sindicato assentam num óbvio equívoco.

Os impedimentos da nomeação de um magistrado são sempre legais. Se os há, o CSMP recusa a autorização ou nomeação. Se não os há, toma uma deliberação positiva.

Está tudo arrolado no Estatuto do Ministério Público.

Não há impedimentos infra ou ultra legais.

Nem os de natureza “moral” que tanto apreciam e usam para afastar os adversários. Sem coragem de os invocar. Nem os de natureza política. Usam-nos para diabolizar a diferença.

Pode discordar-se da lei. Não se pode é não a cumprir, ou defender o seu incumprimento.

Votar contra ou abster-se por discordância com a lei, é um acto de rebelião contra a ordem jurídica democrática. Mais grave por se tratar de membros de um órgão que tem por competência constitucional e legal defender as leis e o seu cumprimento rigoroso.

Uns, se a lei não conforta os seus desígnios e projectos políticos, alteram-na  a seu bel-prazer. Outros, se discordam dela, não a cumprem.

Assim vai o Conselho Superior do Ministério Público!