No escurinho do cinema longe de um final feliz

No caminho, o ambiente era de fervoroso optimismo patriótico. Quase todos vestidos com as camisolas da selecção, cantavam e gritavam num clima de festa antecipada. No meio da confusão, um astuto comerciante de rua, viu uma janela de oportunidade para o negócio. “Estou fazendo promoção de capas de chuva, bem em conta. Duas por cinco reais.” Foi um êxito, que surpreendeu o próprio: “Vou ficar rico!”

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No caminho, o ambiente era de fervoroso optimismo patriótico. Quase todos vestidos com as camisolas da selecção, cantavam e gritavam num clima de festa antecipada. No meio da confusão, um astuto comerciante de rua, viu uma janela de oportunidade para o negócio. “Estou fazendo promoção de capas de chuva, bem em conta. Duas por cinco reais.” Foi um êxito, que surpreendeu o próprio: “Vou ficar rico!”

Saímos do autocarro mesmo em frente ao cinema e subimos para a maior sala do edifício. Estava apinhada. Não conseguimos lugares juntos e acabei por ficar entre um corpulento adepto, com uma grande camisola amarela, e dois jovens eufóricos. No ecrã já se anunciavam as equipas e ia começar a cerimónia dos hinos. Na sala de cinema reproduzia-se o espírito do Mineirão, em Belo Horizonte. Lá e cá, todos se levantaram e cantaram com solenidade e sentimento a popular letra de Joaquim Osório Duque Estrada.

A partida começou. “Vai, Brasil!”. No Mineirão a “canarinha” aproximava-se da área alemã e a excitação no cinema carioca chegava ao histerismo, com quase toda a sala de pé. Aos 11’, o primeiro golo de Thomas Muller arrefeceu os ânimos, mas a confiança resistiu ao golpe. “Vamos lá pessoal, todos a apoiar”, berrou o senhor gigante ao meu lado direito, calmo até aí, mas que me olhava agora de soslaio, desconfiado da minha passividade.

Miroslav Klose silenciou-o, aos 23’. A ele e a toda a sala, assim como aos comentadores no ecrã e ao próprio Mineirão. E não houve sequer tempo para digerir. Como um jogador de boxe que é encurralado no canto do ringue por um oponente muito superior, todo o Brasil encaixou uma série de golpes ferozes nos instantes seguintes, sem proteger o rosto. Quando Khedira desferiu o último, aos 29’, e a Alemanha deixou a sua vítima descansar um pouco, o resultado era devastador. O país estava transfigurado, de queixo caído, incrédulo.

Começou a debandada da sala de cinema. As palavras de incentivo transformaram-se em palavrões rancorosos contra os jogadores brasileiros. “Que vergonha. Acaba já o jogo e vamos todos para casa. É uma humilhação, não vou ficar vendo isto.” Assisti ao êxodo no meu lugar e, instantes depois sobrava eu, o meu amigo, o enorme cavalheiro ao meu lado, preocupantemente apático, e mais meia-dúzia de adeptos que não queriam desperdiçar o dinheiro do bilhete, apesar das inesperadas cenas de terror na tela. O rosto de uma criança a chorar, comoveu todos.

O intervalo deu para meditar um pouco sobre as cenas chocantes da primeira parte e os mais inabaláveis crentes de finais felizes, ainda sugeriam, timidamente, a possibilidade de uma reviravolta histórica. Mas caíram “na real” no segundo tempo. A partir do sexto golo, começou-se a aplaudir a Alemanha. Do estádio de Belo Horizonte chegavam sons de “olés” dos brasileiros à sua própria selecção. O sétimo golo germânico já não doeu tanto. Era só um filme com um final triste.