Será fácil ser-se agricultor?

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No Douro, prevê-se para esta vindima uma produção média de vinho a rondar as 295 mil pipas Adriano Miranda

Sob o aplauso público e o chamamento político generalizado, a agricultura sobe ao pódio, o Presidente da República dedicou-lhe um 10 de Junho e a comunicação social cobre-a de elogios.

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Sob o aplauso público e o chamamento político generalizado, a agricultura sobe ao pódio, o Presidente da República dedicou-lhe um 10 de Junho e a comunicação social cobre-a de elogios.

Perante a incredibilidade, dos que disso fazem profissão, afinal a agricultura sobreviveu. Afinal exportamos milhares de milhões de euros, somos muito menos dependentes do que alguns pensavam, os nossos vinhos e azeites brilham no mundo inteiro, a nossa cortiça é prestigiada pelos artistas e pela alta tecnologia e a nossa fruta, concentrado de tomate, saladas e cavalos, levam longe o nome do nosso país.

Os agricultores mais velhos gostam, mas desconfiam. Os mais novos tentam a sorte por caminhos que, em muitos casos, estariam longe dos seus sonhos, mas que, também em muitos casos, os realizam profissional e humanamente, com experiências fascinantes, que só o mundo rural, a natureza e o prazer de produzir utilidade, podem proporcionar

Conjugaram-se várias circunstâncias favoráveis à agricultura para que isso tenha acontecido. À escala mundial, a insegurança alimentar gerada pelas crises recentes, valorizou a sobrevivência e o mundo emocionou-se com a fome, que os anos de desvario financeiro tinham feito esquecer. No nosso caso, o consumismo, desordenado e irracional, resultado do enriquecimento súbito, que agora se revela fatal, gerou importações desregradas e muitas vezes desnecessárias, em que tudo parecia ilimitado.

Ao ponto de muitas crianças julgarem que o leite, a carne, o pão, a fruta e os legumes, fossem produzidos nos supermercados.

O rural e o campo foram sinónimos de atraso, de pobreza e de passado, de que todos pareciam querer fugir, alimentados por estereótipos urbanos de felicidade aparente e efémera.

A nossa consciência colectiva acordou. Ainda que lentamente, foi compreendendo o evidente. A agricultura, de amaldiçoada, passou a fundamental para o desenvolvimento do país e para o equilíbrio do território. Em pouco tempo, passou a socialmente atractiva. Passou a assunto, ganhou estatuto e criou-se a moda.

Hoje tudo é diferente. No meio da crise que nos consome, os agricultores chegam a parecer os heróis do nosso tempo.

Mas será fácil ser-se agricultor, como parece acreditar uma grande parte da sociedade urbana? A resposta é clara e óbvia, sobretudo, se dada por aqueles e aquelas que já o são. Não, não é nada fácil ser-se agricultor e, muito menos, ser-se jovem agricultor. Não é fácil e convém que se saiba.

Começa por ser uma profissão rodeada de incertezas, cuja redução está geralmente fora do poder de quem as enfrenta. São os preços dos produtos agrícolas e os custos dos factores de produção que evoluem erraticamente, muitas vezes inexplicavelmente, e, quase sempre, em desacordo com os nossos interesses. É o tempo caprichoso que nos dá chuva quando queremos sol, e sol quando pedimos chuva; que nos dá frio e geada, que mata e queima a flor da nossa fruta e das nossas searas, ou calor que escalda as nossas uvas; são as doenças, as pragas e os incêndios que nos queimam a esperança quando menos esperamos; é a política que muda como o vento que nos destrói as estufas.

Ser agricultor é, muitas vezes, resistir. Resistir às adversidades, mais frequentes e maiores do que na maioria das outras profissões. É saber controlar as emoções, quando as culturas se perdem ou morrem os animais, depois de meses, e até anos, de trabalho e de dedicação. É saber como passar noites sem vontade de dormir, como aguentar a burocracia desesperante. Saber como, muitas vezes sem dinheiro, pagar impostos, seguros, salários, segurança social e contas de todo o tipo.

Ser agricultor hoje, é também ser profissional; ter vontade de aprender; saber biologia, zoologia, química, mecânica, economia e gestão; é saber outras línguas, informática, ler, estudar, informar-se, associar-se, viajar, ser curioso, relacionar-se, saber vender e saber comprar.

Ser agricultor é também vocação e sorte. É escolher uma profissão que dá sentido à vida, que dá prazer, liberdade e independência. Nem sempre independência financeira, mas, quase sempre independência de carácter.

Um carácter moldado com a ajuda da natureza, com a brisa fresca das manhãs com cheiro a terra, com os pôr-do-sol que suavizam a vida dura dos campos e dão gratuitamente o alento suficiente para enfrentar o difícil dia a dia dos agricultores.

Ser-se agricultor está longe de ser fácil e mais longe ainda da facilidade que os não agricultores julgam associada a esta profissão.

Os candidatos a agricultores, aqueles que respondem ao chamamento da sociedade, ou à sua intuição pessoal, devem estar conscientes da dedicação e esforço que lhe vão ser exigidos, mas também da existência da formidável energia positiva associada a uma das mais nobres, livres, úteis, gratificantes e independentes actividades humanas inseridas no processo produtivo e que tem o mérito de ser uma das poucas de que depende inteiramente a sobrevivência da nossa espécie.

Engenheiro agrónomo (ISA)