Cidadãos incapacitados ainda são abstencionistas à força

Relatório europeu sobre participação política das pessoas com deficiência aponta Portugal como um de três países da União que que fazem depender exercício da capacidade eleitoral da deslocação a mesas de voto.

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A mobilidade reduzida e outros tipos de incapacidade impedem muitos portugueses de exercerem o seu direito ao voto Adriano Miranda

A comparação está na página electrónica da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, que, em colaboração com a Comissão Europeia e a Rede Académica de Peritos Europeu da Deficiência (ANED, no acrónimo inglês), desenvolveu 28 indicadores destinados a avaliar a participação política.

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A comparação está na página electrónica da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, que, em colaboração com a Comissão Europeia e a Rede Académica de Peritos Europeu da Deficiência (ANED, no acrónimo inglês), desenvolveu 28 indicadores destinados a avaliar a participação política.

Na Áustria, na Dinamarca, na Finlândia, na Alemanha, na Estónia, na Lituânia, nos Países Baixos e no Reino Unido qualquer eleitor que precise de se ausentar pode recorrer a algum método alternativo. Noutros Estados-Membros as alternativas estão disponíveis apenas para as pessoas doentes ou incapacitadas.

O mais comum é quem está doente ou incapacitado deixar-se estar no seu local de residência e aí se deslocarem membros de mesa de voto. O voto por correspondência está disponível em países como a Irlanda, o Luxemburgo e a Polónia. Na Polónia e na Suécia também é possível votar por procuração.

Este é apenas um dos problemas que se levantam, observa Ema Loja, investigadora no Centro de Estudos sobre Deficiência, na Universidade de Leeds, que participou neste relatório. O acesso ao voto está longe de ser garantido para os 80 milhões de cidadãos europeus que têm alguma incapacidade. Estima-se que em Portugal haja cerca de um milhão de pessoas - incluindo as que não têm ainda idade para votar - portadoras de qualquer tipo de deficiência.

De acordo com o relatório O Direito à participação política das pessoas com deficiência: indicadores de direitos humanos, na maioria dos Estados-Membros as pessoas com deficiência até estão mais interessadas em participar do que as outras, mas enfrentam muitas barreiras. 

Tudo começa no acesso à informação relevante sobre o acto eleitoral e os candidatos, explica Ema Loja. Em Portugal, a maior parte dos sítios na Internet são impróprios para cegos e amblíopes. Nos canais de televisão, um surdo não encontra programas com legendas e é raro deparar-se com algum com linguagem gestual.

Há uma semana, a Comissão Nacional de Eleições e o Instituto Nacional para a Reabilitação, em parceria com a Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (Acapo), a Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social (Fenacerci), a Federação Portuguesa das Associações de Surdos (FPAS) e a Federação Portuguesa para a Deficiência Mental (Humanitas), divulgaram um pequeno folheto com informação sobre as eleições deste domingo. Foi-se adiando o vídeo com a mesma explicação simples em língua gestual, com locução e legendagem.

A hora de ir votar pode ser um tormento para quem se desloca numa cadeira de rodas. Em Portugal, as seções de voto são instaladas em edifícios públicos, como escolas e juntas de freguesia. Por lei, os edifícios públicos devem estar preparados, mas muitos não estão, lembra Ema Loja, remetendo para a avaliação do Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiência.

Jorge Falcato, do Movimento (D) Eficientes Indignados, fala em “desastre completo”. Há uns anos andou por Lisboa a tentar aferir o ponto da situação e encontrou poucas secções de voto preparadas para pessoas com mobilidade reduzida. Admite que o resultado fosse hoje melhor, mas nem por isso suficiente. Ainda há muito quem fique em casa não por querer, mas por não conseguir chegar à mesa de voto. Para exercer o seu direito, alguns avançam ao colo de algum familiar ou amigo. Só que isto, na opinião de Jorge Falcato, levanta “um problema de dignidade”.

Outros incapacitados conseguem subir as escadas, mas afligem-se com obstáculos distintos. Há quem trema tanto que não segure numa caneta. E quem não consiga ler o que está escrito no boletim de voto.

Sendo o voto secreto, Portugal concebe uma excepção: “o eleitor afectado por doença ou deficiência física notória” pode votar acompanhado “de outro eleitor por si escolhido”, em quem deposite confiança. Ora, esse sistema não garante igualdade, esclarece Ana Sofia Antunes, presidente da Acapo. Para votar, aquelas pessoas precisam sempre de recorrer a um segundo eleitor, o que retira secretismo ao seu voto e pode abrir espaço para dúvidas sobre o respeito pela sua vontade.

Outros países encontraram alternativas. O voto electrónico é uma delas. Ana Sofia Antunes lembra que seria necessário um grande investimento para pôr em cada mesa de voto um computador com o software apropriado. Parece-lhe mais viável ter uma matriz em braille para sobrepor ao boletim de voto comum. Com isso, quem pouco ou nada vê poderia ler as opções e assinalar o quadrado desejado.  

O tema não entusiasma as associações de defesa dos direitos dos doentes e dos deficientes. “A participação política é talvez a última prioridade delas”, compreende Ema Loja. Batem-se pelo acesso ao ensino, pelo aumento das pensões ou pelo direito a um assistente pessoal. “Não conseguimos ir a todas”, corrobora Jorge Falcato. Não é um tema em branco, mesmo assim. Algumas estruturas já por diversas vezes chamaram a atenção das entidades competentes. “As autoridades lembram-se quando se está a aproximar o acto eleitoral; depois entram num processo de esquecimento”, lamenta Ana Sofia Antunes. Até ao acto eleitoral seguinte.