A crise e a Coca-Cola

A doença e a má despesa pública são os únicos inimigos.

De regresso a Atlanta, cidade deixada em ferida pelo conflito, enfrentou graves dificuldades financeiras. Reagiu com ambição, talento e trabalho. Durante, pelo menos, três anos, desenvolveu obsessivamente a sua fórmula. Os clientes da Jacob’s Pharmacy provaram múltiplas versões da bebida. Estranharam algumas, mas foram os primeiros de milhares de milhões de seres humanos a beber Coca-Cola.

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De regresso a Atlanta, cidade deixada em ferida pelo conflito, enfrentou graves dificuldades financeiras. Reagiu com ambição, talento e trabalho. Durante, pelo menos, três anos, desenvolveu obsessivamente a sua fórmula. Os clientes da Jacob’s Pharmacy provaram múltiplas versões da bebida. Estranharam algumas, mas foram os primeiros de milhares de milhões de seres humanos a beber Coca-Cola.

As restrições à importação de açúcar durante a Primeira Guerra Mundial iam levando a jovem empresa à falência. Na Segunda Guerra Mundial, a Coca-Cola já não ficou de fora. O general Eisenhower e Robert Woodruff, novo presidente da companhia, estabeleceram uma aliança visionária. Nos navios de guerra embarcaram os materiais necessários à montagem, nas frentes de batalha, de mais de 60 fábricas móveis de refrigerante. Os custos de produção dispararam. Mas a empresa garantia, pelos mesmos cinco cêntimos, uma lata fresca aos combatentes. Os soldados americanos bebiam Coca-Cola como se estivessem em casa. A bebida entranhou-se nas fileiras aliadas durante a guerra. Com a paz, conquistou o mundo.

A crise da dívida que, em 2011, se abateu sobre Portugal, deixou chagas de guerra nas farmácias portuguesas. Uma em cada cinco está, neste momento, a lutar pela sobrevivência, contra penhoras e fornecimentos suspensos. A margem das farmácias no preço de venda ao público dos medicamentos já era a mais baixa da Europa, mas sofreu um corte de 40 por cento: 314 milhões de euros, seis vezes o previsto pela troika.

Quando a crise rebentou, os farmacêuticos pensaram como a maioria dos portugueses: “Não temos culpa disto, mas agora o mal está feito”. A ANF andou dezenas de anos a alertar para a insustentabilidade da despesa pública com medicamentos. Propôs medidas e fundamentou-as sempre. As farmácias foram pioneiras a reivindicar medicamentos genéricos para os portugueses. A inflação descontrolada da despesa com medicamentos estava a pôr em causa a comparticipação pública dos tratamentos de que a população necessita. Não houve, em sucessivos Governos, generais para travar uma batalha justa contra poderosos interesses.

Como os portugueses, as farmácias aceitaram, sem protestar, fazer sacrifícios para salvar Portugal da bancarrota. A ANF, mais uma vez, pôs-se do lado da solução. Propôs, em congresso, um novo contrato social com o Estado. Há crise? Então queremos trabalhar mais, com a qualidade de sempre. Podemos ajudar a população e os seus médicos a monitorizar o colesterol, a diabetes, a hipertensão e outras doenças, o que poupará muitos milhões de euros ao Estado nos próximos anos. Queremos voltar a distribuir seringas e a combater a sida. Queremos contribuir para a cobertura vacinal da população idosa e dos doentes crónicos contra a gripe.

O acordo de princípio agora estabelecido entre o Ministério da Saúde e a ANF não é o resultado de uma guerra, mas o início de uma aliança em favor dos portugueses. As farmácias aceitaram ser postas à prova. Vão prestar novos serviços, gratuitamente, durante um ano. Uma entidade independente contabilizará depois os resultados, na redução da despesa pública e em ganhos em saúde para a população. Isso mesmo, sol na eira e chuva no nabal. Quem o julga impossível não conhece os profissionais de saúde portugueses. Médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros técnicos especializados vão continuar a desenvolver, em conjunto, a melhor realização do 25 de Abril: o SNS.

Em Atlanta, hoje, as farmácias vendem refeições rápidas. Os farmacêuticos portugueses não queriam acabar a vender Coca-Cola para sobreviver. Os médicos, como tem afirmado o seu bastonário, também não aceitam retrocessos na qualidade do SNS. As farmácias só querem ser reconhecidas – e aproveitadas – como grande rede de cuidados de proximidade. Todos os anos prestam oito milhões de serviços e passam mais de um milhão de horas em contacto com os portugueses. Sempre estiveram ansiosas por embarcar em todos os navios de guerra pela sustentabilidade do SNS.

A doença e a má despesa pública são os únicos inimigos. Os farmacêuticos nunca deixarão morrer John Pemberton, mas o nobre esforço dos contribuintes portugueses merece mais do que uma Coca-Cola.

Presidente da Associação Nacional das Farmácias