Separatistas ucranianos já se referem aos soldados governamentais como "ocupantes"

Governo de Kiev qualificou referendo no Leste como “farsa criminosa”. Rebeldes querem criar “corpos do Estado e autoridades militares tão depressa quanto possível”.

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O referendo em que os ucranianos de uma dúzia de cidades das regiões de Donetsk e Lugansk foram chamados às urnas pelos separatistas pró-russos, teve uma elevada afluência e terá um resultado previsível. Mas os seus efeitos são incertos. Zhenia, um estudante de 20 anos que a Reuters ouviu em Slaviansk, onde votou, tem como adquirido o pior dos cenários sobre o futuro próximo: “Vai ser ainda guerra”.

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O referendo em que os ucranianos de uma dúzia de cidades das regiões de Donetsk e Lugansk foram chamados às urnas pelos separatistas pró-russos, teve uma elevada afluência e terá um resultado previsível. Mas os seus efeitos são incertos. Zhenia, um estudante de 20 anos que a Reuters ouviu em Slaviansk, onde votou, tem como adquirido o pior dos cenários sobre o futuro próximo: “Vai ser ainda guerra”.

Denis Pushilin, co-presidente da autoproclamada República Popular de Donetsk, disse, citado pela agência Interfax, que a partir do anúncio dos resultados, previsto para esta segunda-feira, os soldados governamentais serão considerados “ocupantes” e é preciso criar “corpos do Estado e autoridades militares tão depressa quanto possível”.

A declaração aumenta a incerteza sobre o futuro próximo da Ucrânia e das relações entre a Rússia e o Ocidente. Mas mostra também uma aparente descoordenação entre os líderes pró-russos. Roman Liaguine, presidente da comissão eleitoral da região, citado pelo diário francês Le Monde, tinha dito que em caso de vitória do “sim”, as regiões “soberanas” de Donetsk e Lugansk continuariam a fazer parte da Ucrânia e que só uma recusa do Governo de Kiev em aceitar alterações ao seu estatuto levaria a um pedido de integração na Rússia.

Combates em Slaviansk
Nalgumas das zonas onde se realizou o referendo, a Reuters deu conta de um ambiente quase festivo em algumas improvisadas assembleias de voto. Noutras imperou a tensão. Em Slaviansk, cercada por forças ucranianas, o dia começou com combates, iniciados na noite de sábado, à volta da torre da televisão, nos arredores. Ao princípio da manhã de domingo foram ouvidas explosões, pouco antes de os eleitores começarem a dirigir-se às assembleias de voto do centro, por ruas com barricadas formadas por árvores caídas, pneus, ferro-velho. Mas o balanço feito a meio da tarde por um porta-voz da autoproclamada República de Donetsk, dizia que “nenhum incidente importante” tinha ocorrido.

A ausência de observadores e a falta de garantias de independência abre campo às suspeitas. Repórteres da BBC que visitaram assembleias de voto nas regiões de Donetsk e Lugansk descreveram casos de ausência de cadernos eleitorais e situações em que, embora existissem, a falta do nome na lista não foi impedimento para votar. Notaram também falta de privacidade. Meios de comunicação ucranianos divulgaram um vídeo e fotos que mostram homens supostamente capturados na periferia de Slaviansk, no sábado, com uma mala de boletins preenchidos com votos “sim”. Já antes, os serviços de segurança de Kiev tinham distribuído uma gravação, cuja autenticidade não pôde ser confirmada, sobre uma conversa entre um nacionalista russo e um chefe rebelde de Donetsk. “Façam o que quiserem e escrevam que foi 99%”, ou “digamos 89%”, diz a primeira voz.

Os pró-russos não estabeleceram qualquer taxa mínima de participação para considerarem válida uma votação que tanto o poder interino da Ucrânia como a União Europeia e os Estados Unidos consideram ilegal. Ao início da tarde de domingo reivindicavam já uma participação de perto de 70%.  

O governo de Kiev qualificou como “farsa criminosa” a consulta eleitoral que pode levar à secessão das regiões da área industrial de Donbass, fronteira com a Rússia. “O referendo de 11 de Maio inspirado, organizado e financiado pelo Kremlin é juridicamente nulo e não terá qualquer consequência jurídica para a integridade territorial da Ucrânia”, declarou, em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

No comentário à votação, a União Europeia falou em “supostos referendos” e repetiu, pela boca de Maja Kocijancic, porta-voz da chefe da diplomacia, Catherine Ashton, o que já se sabia: que os considera “ilegais” e não os reconhece. Em Baku, Azerbeijão, o Presidente francês, François Hollande, referiu-se aos escrutínios como “falsas consultas”, “sem sentido” e “nulas”. “Não quero usar a palavra referendo porque não há nenhum”, disse. “A única eleição que vale”, acrescentou, é a das presidenciais ucranianas previstas para o próximo dia 25.

O secretário americano da Defesa, Chuck Hagel, acusou entretanto a Rússia de, ao contrário do anunciado pelo Presidente russo, Vladimir Putin, não estar a retirar as tropas estacionadas junto à fronteira, calculadas pela aliança atlântica, a NATO, em 40 mil soldados. “É preciso perguntar ao Presidente porque afirma que estão a sair, quando na realidade não é assim”, disse à televisão ABC.  

Schroeder culpa UE
A generalidade dos dirigentes ocidentais não hesita em atribuir à Rússia a responsabilidade pela situação na Ucrânia, onde nas últimas semanas foram mortas dezenas de pessoas. Não é o caso do antigo chanceler alemão Gerhard Schroeder, para quem o problema foi criado pela União Europeia, que considera ter obrigado o Governo de Kiev a escolher entre o Ocidente e a Rússia. “O erro fundamental vem da política da UE a favor de um tratado de associação", disse, numa entrevista ao jornal Welt am Sonntag.

“A UE ignorou o facto de a que a Ucrânia é um país profundamente dividido culturalmente. Desde sempre, as pessoas do Sul e do Leste do país são mais viradas para a Rússia e as do ocidente mais viradas para a UE”, disse. Schroder, que é amigo de Putin, relativizou a influência da Rússia sobre os separatistas. “A ideia de que bastaria o Presidente russo, o chefe do Governo, ou quem quer que fosse , dizer ‘basta’ para que tudo entrasse na ordem não é correcta nem realista”, comentou. O líder da Alemanha entre 1998 e 2005 rejeitou as críticas que o acusam de parcialidade na questão por ser presidente do grupo accionista Nord Stream, formado para construir um gasoduto de transporte de gás russo para a Europa através do Báltico, que é detido em 51% pela Gazprom, empresa controlada pelo Estado russo.