Uma obra para a solidão

Havia sobretudo nos primeiros tempos dos Elbow uma atmosfera de pub inglês em dias iguais a todos os outros que não sejam animados por jogos de futebol. Uns copos a mais, uns amigos de circunstância, uns comentários avulsos tão válidos para os tremores da bebida quanto para as inconstâncias conjugais. Não era só a literalidade deDon’t Mix Your Drinks, mas também as baladas azoadas, os pianos trôpegos, os súbitos rasgos de agressividade e a voz chorosa de Guy Garvey – de quem passa meia hora de copo na mão sem se lembrar que tem um copo na mão, a balbuciar ladainhas confessionais mais ou menos perceptíveis sobre a sua vida afectiva. Um jogo constante entre uma música que tinha a ambição de chegar ao céu dos Talk Talk e canções de um apego ao mundano, delírios de grandiosidade magnificamente encenados num beco, uma tentativa de ascensão sem prescindir de ser impura, suja.

A exploração desse ambiente, após alguns avanços aos soluços, foi superiormente explorada pelos Elbow em The Seldom Seen Kid (2008). A partir daí, era evidente que o farol teria de mudar. O anterior Build a Rocket Boys! (2011) soa, por isso, ainda a uma tentativa de saber o que fazer na descida, equivale a um primeiro momento de reconstrução. Agora, The Take Off and Landing of Everything é o regresso a um trajecto ascencional no pós-Seldom Seen Kid. E uma das medidas simbólicas desse caminho é o facto de as guitarras estarem, quase sempre, amordaçadas, rugindo pontualmente em Charge ou Fly Boy/Lunette, mas cedendo praticamente em todo o disco o seu espaço a uma subtil e eficaz tirania dos teclados, secundados com sobriedade por cordas e sopros, e por uma secção rítmica que nunca fez por disfarçar a sua presença.

Sobriedade, precisamente, porque o fantasma alcoólico dos Elbow surge sempre na sombra, seja real ou ficcionada. “I’m reaching the age when decisions are made on the life and the liver”, canta Garvey no segmento menos ácido de Fly Boy/Lunette. E lá continua confessando a certeza de que quererá uma garrafa de bom whiskey irlandês e um maço de cigarros sobre a campa. A música dos Elbow caminha, assim, para um novo cume, limpo na forma, transparente nos vícios e na sua fatalidade. E é cada vez mais uma magnífica obra criada para amparar a solidão deste homem. Real ou ficcionada. 

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Havia sobretudo nos primeiros tempos dos Elbow uma atmosfera de pub inglês em dias iguais a todos os outros que não sejam animados por jogos de futebol. Uns copos a mais, uns amigos de circunstância, uns comentários avulsos tão válidos para os tremores da bebida quanto para as inconstâncias conjugais. Não era só a literalidade deDon’t Mix Your Drinks, mas também as baladas azoadas, os pianos trôpegos, os súbitos rasgos de agressividade e a voz chorosa de Guy Garvey – de quem passa meia hora de copo na mão sem se lembrar que tem um copo na mão, a balbuciar ladainhas confessionais mais ou menos perceptíveis sobre a sua vida afectiva. Um jogo constante entre uma música que tinha a ambição de chegar ao céu dos Talk Talk e canções de um apego ao mundano, delírios de grandiosidade magnificamente encenados num beco, uma tentativa de ascensão sem prescindir de ser impura, suja.

A exploração desse ambiente, após alguns avanços aos soluços, foi superiormente explorada pelos Elbow em The Seldom Seen Kid (2008). A partir daí, era evidente que o farol teria de mudar. O anterior Build a Rocket Boys! (2011) soa, por isso, ainda a uma tentativa de saber o que fazer na descida, equivale a um primeiro momento de reconstrução. Agora, The Take Off and Landing of Everything é o regresso a um trajecto ascencional no pós-Seldom Seen Kid. E uma das medidas simbólicas desse caminho é o facto de as guitarras estarem, quase sempre, amordaçadas, rugindo pontualmente em Charge ou Fly Boy/Lunette, mas cedendo praticamente em todo o disco o seu espaço a uma subtil e eficaz tirania dos teclados, secundados com sobriedade por cordas e sopros, e por uma secção rítmica que nunca fez por disfarçar a sua presença.

Sobriedade, precisamente, porque o fantasma alcoólico dos Elbow surge sempre na sombra, seja real ou ficcionada. “I’m reaching the age when decisions are made on the life and the liver”, canta Garvey no segmento menos ácido de Fly Boy/Lunette. E lá continua confessando a certeza de que quererá uma garrafa de bom whiskey irlandês e um maço de cigarros sobre a campa. A música dos Elbow caminha, assim, para um novo cume, limpo na forma, transparente nos vícios e na sua fatalidade. E é cada vez mais uma magnífica obra criada para amparar a solidão deste homem. Real ou ficcionada.