Quem ganhou as Europeias?

Porque é que tal acontece? Provavelmente, porque cada vez mais os eleitores europeus raciocinam da seguinte forma: se está a direita no Governo vota-se na esquerda, se a esquerda está no poder vota-se na direita, se já estiveram a esquerda e a direita juntas no poder vota-se nos extremos da esquerda ou da direita, se já experimentámos tudo vota-se nos que sugerem não ser políticos, mas que vão a votos.

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Porque é que tal acontece? Provavelmente, porque cada vez mais os eleitores europeus raciocinam da seguinte forma: se está a direita no Governo vota-se na esquerda, se a esquerda está no poder vota-se na direita, se já estiveram a esquerda e a direita juntas no poder vota-se nos extremos da esquerda ou da direita, se já experimentámos tudo vota-se nos que sugerem não ser políticos, mas que vão a votos.

Esta explicação é simplificadora mas, se podemos ter dúvidas sobre se tal se aplica a eleições legislativas nacionais e eleições locais, parece ser aquela que melhor explica as intenções de voto nas eleições europeias nos 28 países da União.

Para responder à pergunta de título desde artigo é preciso fazer outras perguntas. Por exemplo, qual o número de partidos actualmente no poder nos 28 países da União? Se respondeu algum número abaixo de 80 não terá acertado.

Há cerca de oito dezenas de partidos no governo em 28 países da União Europeia. Só há três governos onde um partido governa sozinho e a Bélgica e a Finlândia batem os recordes governativos com coligações de seis partidos – em média, na União, há quase três partidos no governo por país.

Em Maio haverá Europeias e sendo eleições europeias dir-se-ia (e seria fundamental que assim fosse) que se vai eleger um Parlamento Europeu para ajudar a decidir o futuro dos europeus a partir de diferentes visões de Europa, baseadas em ideias claras de futuro comum – mas não é isso que nos dizem as sondagens, as eleições são europeias mas os votos são feitos de acordo com a realidade política nacional.

Os dados na base deste artigo de opinião foram publicados no dia 2 de Abril de 2014 pelo projecto Poll Watch 2014, patrocinado pelo próprio Parlamento Europeu e coordenado pelos Prof. Simon Hix da London School of Economics e Michael Marsh e Kevin Cunningham do Trinity College de Dublin.

Partindo das sondagens nacionais e ponderando esses resultados sob várias formas (aconselhando desde já os mais curiosos à consulta online da explicação) são-nos oferecidas análises que procuram determinar qual dos grupos do Parlamento Europeu será o mais votado e, consequentemente, quem será o mais provável candidato a Presidente da Comissão. No momento em que escrevo, tudo indica que os Socialistas e o Partido Popular Europeu estão empatados em termos de deputados – mas pode mudar.

Tudo indica também que, somando os extremos e os centros políticos, o próximo Parlamento Europeu será um parlamento mais à direita (produto do aumento das votações nos partidos da extrema-direita).

No entanto, o mais interessante do Poll Watch 2014 não está na análise final, mas sim no que se pode descobrir a partir das votações nacionais. Ou seja, do que é comum nas intenções de voto em cada um dos 28 países que irão a votos em Maio.

Ao analisar as 28 votações nacionais percebe-se que as oposições, no seu conjunto, elegem mais deputados que os governos em 16 países. Há quatro empates entre governos e oposições e só em oito países os partidos dos governos têm mais deputados do que a soma dos obtidos pelas oposições. Mas o que há em comum nos países onde ganham os governos? O que determina o ganho dos governos é se há, ou não, no país uma grande coligação de partidos de esquerda e direita, ou vice-versa.

Há apenas dois países que são a excepção à regra. Eles são, respectivamente, a Grécia onde, apesar de haver uma grande coligação no governo, a oposição obtém mais deputados e a Letónia onde o governo, que iniciou funções há apenas alguns meses, também obtém mais votos que a oposição.

Na tentativa de responder a quem ganhou nas Europeias, há outras leituras importantes a partir das sondagens. Nomeadamente, que no Reino Unido o partido de extrema-direita UK Independence Party tem mais votos e deputados do que a soma dos dois partidos do governo (Conservadores e Liberais), sendo o segundo partido mais votado logo atrás dos Trabalhistas. E, na Holanda, o partido de extrema-direita de Geerte Wilders, o Partido da Liberdade, poderá ser o mais votado em Maio.

Por sua vez, o partido de extrema-direita francês, a Front Nationale, poderá ter mais três lugares do que o Partido Socialista e apenas menos três do que o mais votado – a UMP. E, regressando ao Reino Unido, é bastante provável que os partidos de base religiosa e nacionalista tenham três vezes mais votos que o Partido Liberal.

Ainda analisando tendências, mesmo em países de grandes coligações no poder, como em Itália, o Movimento 5 Stelle ficará apenas a um deputado do segundo maior partido. E, na Alemanha, o partido anti-Euro, a Alternativa para a Alemanha, poderá ter seis deputados e, assim, ficar a apenas dois deputados de destronar o partido A Esquerda/Die Linke, enquanto o quarto maior partido alemão.

Então, quem ganhou as Europeias de Maio? É mais fácil dizer quem perde. Perdem os partidos dos governos e perdem as grandes famílias políticas europeias do PPE e S&D. E ganham? Os partidos que não estejam no governo e os partidos nacionalistas da extrema-direita.

Mas as eleições europeias de 2014 mostram que a União Europeia também é um dos perdedores. A União Europeia mudou. Mudou, de uma união em que os países mais poderosos estavam dispostos a ceder algo para se poder construir um caminho comum, para algo diferente. Tudo indica que, esse algo, é uma união assente na ideia de que na integração europeia há (e haverá) sempre países e populações que serão perdedores crónicos e países e populações que serão ganhadores crónicos.

Se assim for, haverá algumas centenas de milhões de europeus que, tal como eu, não gostam do caminho que, em conjunto, estamos a desconstruir.

Gustavo Cardoso é docente do ISCTE-IUL em Lisboa e investigador do Centre d'Analyse et Intervention Sociologiques (CADIS) em Paris.