“Ser viúva é chegar a casa e sentir falta de ter lá alguém”

Joana Ricca tinha 32 anos quando ficou viúva. Teve de aprender a fazer muitas coisas sozinha e a combater a solidão. Chegou a tirar o cartão do cidadão para não ter de lidar com perguntas e olhares de pessoas curiosas com uma viúva tão jovem.

Foto
Fernando Veludo/nFactos

“O meu marido tinha 34 anos e morreu com uma arritmia fulminante, em nossa casa. Entre namoro e casamento estávamos juntos há quase dez anos e temos um filho. Tínhamos acabado de mudar de casa e estávamos a planear aumentar a família, mas já não fomos a tempo.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“O meu marido tinha 34 anos e morreu com uma arritmia fulminante, em nossa casa. Entre namoro e casamento estávamos juntos há quase dez anos e temos um filho. Tínhamos acabado de mudar de casa e estávamos a planear aumentar a família, mas já não fomos a tempo.

É importante ter um bom núcleo de amigos e uma família presente. Acima de tudo é preciso tentar manter a vida o mais normal possível e o máximo de independência possível. O meu marido descontava muito pouco e a pensão de sobrevivência é ridícula: felizmente não preciso dela para sobreviver.

Recomeçar, depois do velório e do funeral, é difícil. Muitas pessoas desaparecem e, no dia-a-dia, é uma solidão muito grande. Os meus horários não são muito fáceis [Joana é assistente de bordo], já estou há 15 anos no médio curso. Se o João cá estivesse talvez arriscasse no longo curso.

Quando voltei ao trabalho, cerca de um mês depois, voltei também ao ginásio. É excelente para a cabeça. Sempre que me convidam para algum programa, tento que englobem o meu filho. Muitas vezes há pessoas que não compreendem. Já tive namorados desde então mas nunca resultou porque as pessoas têm uma incapacidade enorme de perceber que o meu filho está em primeiro lugar.

Sinto que a minha vida está em suspenso. Gostava de voltar a ser mãe, mas o tempo vai passando e ainda não encontrei a pessoa certa, se é que isso existe. Ser viúva é chegar a casa e sentir falta de ter lá alguém. Nunca deixei de ir de férias, mas custa-me arrancar, continua a ser um tema difícil.

Há coisas que não sabia fazer e que tive de aprender. Tudo o que era aparelhos era com ele, eu não sabia fazer nada, nem um download. Senti-me uma analfabeta. Vi-me obrigada a aprender tudo: gerir os seguros, todas as burocracias da casa, o IRS, levar o carro ao mecânico.

Tirei o cartão do cidadão porque não tem o estado civil visível. Percebia perfeitamente que as pessoas ficavam com vontade de me encher de perguntas quando viam que sou jovem. É uma curiosidade mórbida. Usei aliança durante meses, depois decidi fundir as duas e criar um anel, que uso frequentemente. Vesti-me de escuro por algum tempo, até que um dia deixou de fazer sentido.

Há pessoas que se agarram muito à fé nestas situações. Eu não, senti-me muito zangada. Quando casamos é até que a morte nos separe. Achamos, contudo, que a morte é uma coisa muito distante, que acompanha a velhice. Nunca se espera que seja numa altura em que se está a construir tanta coisa.”

Depoimento construído a partir de uma conversa