“Achamos que a viuvez só acontece aos outros”

A companheira de Ricardo Santos morreu há apenas alguns meses, com cancro, e ele sente que a vida andou para trás. Não entra nas estatísticas oficiais dos viúvos em Portugal, por não ter casado — hipótese na qual os dois jovens pensavam.

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Eric Vidal/Reuters

"No fim de 2012, a Nádia abortou espontaneamente e, na sequência do aborto, foi-lhe diagnosticado um tumor no colo do útero. Estávamos juntos há quatro anos e equacionávamos a hipótese de casar. Ela morreu em Outubro de 2013, depois de um ano muito complicado.

Foram semanas muito difíceis, essas, não consegui ir trabalhar. Apesar de já ter alguma noção de que isso podia acontecer, passaram-me pela cabeça coisas que nunca pensei que pudessem passar. Continuei a viver na mesma casa, que é dos meus pais, mas deixei que a maior parte das coisas dela — por uma questão de respeito — fosse levada pelos pais e irmãos. Dificilmente conseguiria tê-las comigo, deixei apenas uma fotografia.

Os meus amigos tentaram perceber, mas é uma situação difícil. Foi complicado, sobretudo, lidar com amigos em comum. E ainda é, está tudo muito presente. Tudo isto pesa muito e não conseguimos falar. Houve uma fase em que não queria estar com ninguém, só queria estar em casa e sozinho. Não sei durante quanto tempo estive assim. Depois comecei a fazer um esforço e percebi que, quando saía, a única conversa que conseguia ter era sobre ela. Estou a sair mais, a tentar não estar tanto tempo em casa.

Tínhamos sítios onde íamos juntos e que ainda não consigo visitar. Perdê-la talvez me tenha um tornado um bocadinho mais duro, porque foi a única relação séria que tive, era uma pessoa fundamental. Estamos sempre à espera que estas coisas só aconteçam aos outros, mais tarde na vida, quando já se passou muito tempo juntos. Quando íamos ao IPO víamos cada vez mais pessoas novas e é surpreendente que isso aconteça.

Foi e continua a ser estranho viver sozinho. O problema das mudanças é que, quando nós não as escolhemos, a adaptação é mais difícil. Estávamos habituados a viver juntos, éramos felizes e hoje é complicado chegar a casa e não encontrar ninguém. Perguntam-me muitas vezes se não penso em seguir em frente. É óbvio que sim, mas para mim ainda não é assim tão linear. Tive e tenho uma mulher, talvez aconteça um dia.

Vejo os meus amigos a casarem e a terem filhos, família. A minha vida também estava a andar para a frente e a correr bem. Agora está parada — até a andar para trás um bocadinho.

Não faço planos para o futuro quando todos os dias é uma luta contra mim próprio para me conseguir levantar, ir trabalhar e tentar ser uma pessoa normal. Tenho apenas um, que foi também uma promessa: terminar o curso de gestão de recursos humanos, no ISLA, em Lisboa.”

Depoimento construído a partir de uma conversa telefónica

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