Missão Congo

Entrar no esquema e suborno fronteiriço é alimentar a corrupção que afunda África — e outras zonas do mundo

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Rui Barbosa Batista

Entrar na imunda zona de inspecção sanitária não é boa ideia, até porque ninguém nos pede para o fazer. Também não chega a ser incómodo, mas logo nos mostra o que esperar de um país tão imenso, quanto corrupto. "Não têm o boletim de vacinas? Então não podem entrar. A menos que paguem 20 dólares cada. Só vão um dia? Então podem ser apenas dois", diz-nos uma das duas feirantes. Perdão, funcionárias fronteiriças. Não confundo a nobreza das profissões. Ficam a falar sozinhas.

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Entrar na imunda zona de inspecção sanitária não é boa ideia, até porque ninguém nos pede para o fazer. Também não chega a ser incómodo, mas logo nos mostra o que esperar de um país tão imenso, quanto corrupto. "Não têm o boletim de vacinas? Então não podem entrar. A menos que paguem 20 dólares cada. Só vão um dia? Então podem ser apenas dois", diz-nos uma das duas feirantes. Perdão, funcionárias fronteiriças. Não confundo a nobreza das profissões. Ficam a falar sozinhas.

Abandonamos o minúsculo barraco e avançamos. Na hora de mostrar o passaporte, o responsável, bem vestidinho, sai do edifício decadente e toma conta dos documentos. Seguimo-lo para o interior onde dormem dois dos quatro funcionários. Um no atendimento ao publico — cidadãos humildes, rurais — e uma outra com aspecto de chefe de serviços, de boca aberta, recostada. Fala connosco em tom superior, enquanto, relaxados, vamos preenchendo o amarrotado e nada esmerado formulário de entrada no país.

Temos calo de sobra nestas situações para nos conseguir intimidar. Ele apalpa o pulso e entende que não vai lá sozinho. Vem cá fora e regressa com um corpulento e fanfarrão compincha de extorsão. Vamos para uma sala sem testemunhas e, sem nos ouvir, da logo o sermão completo sobre o facto de não termos visto. É como começar um jogo de futebol já a ganhar por 3-0. "Agora só pagando 300 dólares cada para o visto. É o preço e nada podemos fazer", sentencia.

Serenos, respondemos que apenas queremos ir conhecer e experienciar Bukava, dar um giro e almoçar. "Queremos mesmo muito ajudar-vos, mas são as regras e os valores. Somos um país muito caro", avisa. Não vamos na cantiga. "Por um só dia podem ser 100 dólares. Mas estamos a colocar em risco o nosso posto de trabalho", atalha. Sou o único que não domina o francês na perfeição, mas faço-o entender que não temos meios para almoço tão dispendioso. "Então quanto podem pagar?". Temos 100 dólares e temos mais algum para comer. Batem o pé nos 50 dólares para cada um. "Sem dinheiro para almoçar, não avançamos. Até podemos ir à cidade, mas tu vens connosco e pagas o almoço", riposto. E sorrio com o à vontade de quem nada deve. Nem teme.

Continuam a falar em congolês. Mudam o semblante. O fanfarrão — não gostamos mesmo nada dele — sai da sala. Segundos depois o outro, bem vestidinho, novamente na versão arrogante, diz-nos para o acompanharmos. Indica-nos a porta de saída do país. "Já podem dizer que estiveram no Congo", desdenha. "Tem um resto de boa vida", retorqui. Com sorriso cândido. Indecifrável.

Regressamos à descontraída fronteira do Ruanda sem carimbo. Em segundos estamos livres. Sem controlo das autoridades. Entrar no esquema e suborno fronteiriço é alimentar a corrupção que afunda África — e outras zonas do mundo. Temos muita, mesmo muita pena de falhar Bukava. Estaremos novamente perto de uma outra fronteira do Congo, mas nada há do outro lado a cativar-nos. É tempo de refazer planos e avançar.