Transbordo de armas químicas sírias pode passar pelos Açores

Porto italiano rivaliza com o da ilha Terceira para o transbordo de armas químicas de Assad de um barco dinamarquês para um navio norte-americano, onde se iniciará a sua destruição.

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O porto da ilha terceira pode ser palco de um transbordo de armas químicas da Síria Miguel Madeira

Tal operação foi solicitada no âmbito da Resolução 2118 adoptada por unanimidade pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada a 27 de Setembro, e teve a aprovação da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW).

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Tal operação foi solicitada no âmbito da Resolução 2118 adoptada por unanimidade pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada a 27 de Setembro, e teve a aprovação da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW).

O PÚBLICO sabe que o porto português em causa é o do Porto da Praia da Vitória, na ilha Terceira, nos Açores, que também serve de apoio à base aérea das Lajes. Em aberto está a possibilidade de ser no cais comercial ou no denominado "cais dos americanos", que é utilizado pelas forças militares norte-americanas para abastecer o seu efectivo militar nas Lajes. Sobre tudo isto, Lisboa manteve contactos com o governo regional liderado pelo socialista Vasco Cordeiro.

O presidente do governo regional dos Açores confirmou ao PÚBLICO ter sido “consultado” a propósito da utilização das instalações portuárias da Praia da Vitória. “Nestas questões de empenho nacional, a solidariedade para com o país é assumida pelos Açores”, acrescentou Vasco Cordeiro, antes de adiantar que estava a “acompanhar o processo”, uma vez que não há ainda “uma decisão tomada”. Os Açores estão essencialmente preocupados em garantir questões relacionadas com a segurança e a operacionalidade da matéria.

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, está também ao corrente da solicitação dos EUA. O PÚBLICO sabe que esta questão foi suscitada há já algum tempo a Portugal e seria a forma do nosso país, sem capacidade económica para outro tipo de apoios, participar activamente no cumprimento de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU.

Do mesmo modo, o recurso aos Açores poria de novo em foco a importância das instalações das Lajes quando os Estados Unidos pretendem uma redução substancial  dos seus efectivos. Contudo, o Governo português não tomou, ainda, uma decisão final. Estão a ser analisados diversos factores de ordem técnica, ambiental e de segurança para ponderar a exequibilidade da operação.

Embora não esteja tomada uma decisão, o PÚBLICO apurou que, para além dos Açores, Washington admite outra solução: o recurso a um porto italiano não especificado. Aliás, esta possibilidade tem vindo a ganhar peso nas últimas horas. As condições de mar picado no Atlântico não permitem assegurar que o destino seja o porto açoriano. Por isso, ganha maior probabilidade que o transbordo da carga seja feito no Mediterrâneo, num porto italiano.

Recorde-se que o Governo português, como membro da comunidade internacional, desde o início apoiou a missão conjunta da ONU e da OPCW de remoção, transporte e posterior destruição do material químico utilizado na Síria. Uma missão considerada essencial para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

Riscos em avaliação
Em comunicado divulgado ao fim da tarde desta terça-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou a petição norte-americana. "O Governo português, em articulação com o Governo regional dos Açores, e sempre norteado pela defesa dos interesses do país, efectuou consultas políticas internas e desenvolveu contactos exploratórios na hipótese de ser necessária uma instalação portuária nos Açores, formulando, designadamente, perguntas sobre factores de ordem técnica, ambiental e de segurança, de modo a avaliar a existência de eventuais riscos desta operação", destaca o texto.

A retirada dos materiais quimicos encontrados na Síria fora agendada para decorrer até ao final do ano passado, mas o agravamento da guerra civil, problemas logísticos, atrasos no fornecimento dos equipamentos indispensáveis aos transporte e as más condições climatéricas atrasaram a operação. Recorda-se que o prazo até 31 de Dezembro de 2013 para a retirada dos principais componentes das armas quimicas foi o primeiro passo do acordo negociado pelos Estados Unidos e Rússia e que mereceu o apoio do Conselho de Segurança da ONU, tendo em visto um calendário ambicioso: a retirada de todas as armas químicas de território sírito até meados do corrente ano.

Os materiais que poderão vir a ser objecto de transbordo nos Açores integram um primeiro lote que, de dois locais distintos da Síria, país onde foram localizados 12 armazéns, foi transportado para o porto de Latakia. Ali, técnicos da OPCW verificaram o material que, depois, foi carregado num navio comercial dinamarquês. Será este barco que transportará aquela carga até novo porto, onde se procederá a transferência para um navio norte-americano

Segundo o PÚBLICO apurou, a operação de transbordo decorre, como todo o trajecto desde a Síria, sob a supervisão dos técnicos da OPCW. E, em nenhum caso, está previsto o afundamento dos materiais, pois tal está expressamente proibido pelas convenções internacionais e seria impensável no âmbito de uma operação aprovada pela ONU. 

Será a bordo do navio norte-americano que se procederá à dissolução de uma parte dos agentes quimicos, de forma a ficarem inertes, num processo comparável ao da separação de componentes. Ainda no alto-mar existem possibilidades técnicas para a incineração dos resíduos que, finalmente, também podem ser encaminhados para unidades fabris especializadas na Rússia, Estados Unidos ou Alemanha.
 
O Bloco de Esquerda anunciou ter apresentado no Parlamento um requerimento para ouvir o ministro dos Negócios Estrangeiros.