Descoberto “jardim zoológico” escondido de peixes fluorescentes

No mar, dezenas de espécies de peixes brilham com cores que vão do verde ao vermelho passando pelo laranja – mas foi preciso um feliz acaso para descobrir este fenómeno, que ninguém sabia ser tão comum.

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“Já sabíamos há muito tempo que, debaixo da água, organismos como os corais e as medusas – e em terra as borboletas e os papagaios – exibiam o fenómeno de biofluorescência, mas nos peixes os casos registados eram raros”, diz em comunicado John Sparks, curador do Museu Americano de História Natural (AMNH) e um dos dois principais co-autores do trabalho. “Mas esta é a primeira vez que alguém olhou para a ampla distribuição da biofluorescência nos peixes.”

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“Já sabíamos há muito tempo que, debaixo da água, organismos como os corais e as medusas – e em terra as borboletas e os papagaios – exibiam o fenómeno de biofluorescência, mas nos peixes os casos registados eram raros”, diz em comunicado John Sparks, curador do Museu Americano de História Natural (AMNH) e um dos dois principais co-autores do trabalho. “Mas esta é a primeira vez que alguém olhou para a ampla distribuição da biofluorescência nos peixes.”

A biofluorescência consiste na absorção de luz por um organismo, que a seguir a transforma e a reemite noutra cor. E a paisagem revelada pelas câmaras e as formas de iluminação desenvolvidas especialmente para este estudo foi, no mínimo, colorida. Para mais, dizem os autores, a possibilidade de serem agora descobertos novos pigmentos biológicos fluorescentes poderá ter aplicações de peso em biomedicina.

Tudo começou de forma fortuita, relata o mesmo comunicado, quando Sparks e o seu colega do AMNH, o biólogo David Gruber, estavam a captar, ao largo das ilhas Caimão, imagens da fluorescência dos corais destinadas a integrar uma exposição itinerante daquele museu. Ao visionarem as fotografias, os cientistas viram de repente surgir, tal um fantasma vindo de outro mundo, uma enguia verde fluorescente.

Foi a partir daí que, juntamente com colegas das universidades de Yale, do Kansas (ambas nos EUA) e de Haifa (Israel), e ainda com a colaboração de profissionais da fotografia e do vídeo e a ajuda de equipamentos sofisticados, estes cientistas realizaram mais quatro expedições – desta vez às águas tropicais das Bahamas e das Ilhas Salomão – para ver se encontravam mais espécies de peixes fluorescentes.

No mundo subaquático, o tom dominante é o azul, porque o resto do espectro visível é absorvido pela água à medida que a profundidade aumenta. Mas de facto, muitos peixes absorbem por sua vez essa luz azul e reemitem-na tal como tubos de néon verdes, vermelhos ou cor de laranja. Porém, esse autêntico jogo de luzes submarino é invisível à vista desarmada: só pode ser visto em luz amarela.

Portanto, para conseguir ver essas cores, a equipa realizou mergulhos nocturnos durante os quais iluminou a água com luz azul de alta intensidade e registou tudo com câmaras dotadas de filtros amarelos. “Graças ao desenvolvimento de uma forma de iluminação que simula o ambiente luminoso do oceano e de câmaras capazes de capturar a luz fluorescente dos animais, conseguimos vislumbrar este universo biofluorescente escondido”, salienta Gruber.

Este “jardim zoológico” de peixes fluorescentes inclui peixes cartilaginosos (tais como tubarões e raias) e também peixes de esqueleto ósseo como as enguias e muitos outros. Trata-se frequentemente de espécies que vivem nos recifes de corais e que são exímias, graças aos padrões de cores que exibem na pele, na arte da camuflagem. Entre os peixes estudados nos diversos ambientes naturais e os que os cientistas puderam observar em aquários (também na escuridão da noite), a lista totaliza mais de 180 espécies. Dos tubarões às raias, dos tamboris aos cabozes, das enguias aos peixes-cirurgião, dos cabeçudos aos peixes-pedra, toda esta fauna se transforma, nas condições certas, num mundo de cores cintilantes.

Os cientistas pensam que os peixes utilizam essa sua capacidade para efeitos de comunicação e de acasalamento. Isto porque também observaram que a maioria dos peixes que brilham têm, justamente, filtros amarelos nos olhos – o que lhes permite ver os seus congéneres fluorescentes. “Os cabozes, os peixes-chatos, as enguias e os rascassos, que recorrem à camuflagem, são animais que nunca conseguiríamos ver durante um mergulho”, faz notar Sparks. “Para os nosso olhos, eles fundem-se literalmente com o que os rodeia. Mas para um peixe dotado de filtros intraoculares amarelos, devem sobressair como o nariz na cara.”

“Muitos organismos – e em particular muitos peixes –  das águas pouco profundas dos recifes têm a capacidade de detectar a bioflurescência e poderão estar a usá-la (...) para encontrar os seus parceiros sexuais e para se camuflarem”, acrescenta Gruber. Alguns dos padrões de emissão fluorescente são específicos da espécie.

Uma outra conclusão a que os cientistas chegaram foi que os padrões de biofluorescência são extremamente variáveis: podem ser apenas anéis à volta dos olhos, mas também muco verde segregado pelos peixes e até há padrões de fluorescência muito complexos, externos mas também internos, que abrangem todo o corpo do peixe.

Uma potencial consequência dos resultados é que poderão abrir caminho à descoberta de novas proteínas fluorescentes. Ora, vale a pena lembrar que, em 2008, o Prémio Nobel da Química foi atribuído a três cientistas pela descoberta e a utilização de uma proteína fluorescente, produzida por uma pequena medusa que vive ao largo da costa oeste da América do Norte, no estudo microscópico dos organismos vivos. A proteína, designada GFP, esteve na origem de uma revolução na biologia, porque permitiu ver o invisível: tumores a crescer, neurónios a desenvolver-se no cérebro, proteínas a fazerem o seu trabalho dentro das células vivas. E hoje, o uso da GFP tornou-se tão generalizado que até serve nas artes plásticas e para fazer brinquedos fluorescentes.

“A descoberta de uma proteína verde fluorescente numa medusa nos anos 1960 forneceu uma ferramenta revolucionária aos biólogos, transformando o estudo de tudo e mais alguma coisa, desde o do vírus da sida até ao dos mecanismos cerebrais”, diz Gruber. “O nosso estudo sugere que a biofluorescência dos peixes poderia representar um reservatório muito rico de novas proteínas fluorescentes.”

Veja o vídeo sobre o projecto (em inglês) aqui.