Há mais de 5000 anos, na China, os gatos já conviviam com os humanos

Quando e por que é que os gatos se tornaram animais domésticos? Um estudo da dieta de dois gatos que viveram há vários milénios numa aldeia chinesa fornece pistas sobre este processo.

Foto
O gato-bravo do Médio Oriente, nativo de Ásia e África, talvez seja o antepassado de todos os gatos domésticos actuais Wikipedia Commons

Com base em recentes análises genéticas, os especialistas pensam hoje que os 600 milhões de gatos domésticos que vivem actualmente entre nós no mundo descendem todos do gato-bravo do Médio Oriente (Felis silvestres lybica), uma subespécie de felinos selvagens nativa de Ásia e África. Quanto à relação gato-humano, a descoberta, há perto de dez anos, em Chipre, de um gato-bravo enterrado há 9500 anos perto de uma pessoa mostra que ela vem de muito longe.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Com base em recentes análises genéticas, os especialistas pensam hoje que os 600 milhões de gatos domésticos que vivem actualmente entre nós no mundo descendem todos do gato-bravo do Médio Oriente (Felis silvestres lybica), uma subespécie de felinos selvagens nativa de Ásia e África. Quanto à relação gato-humano, a descoberta, há perto de dez anos, em Chipre, de um gato-bravo enterrado há 9500 anos perto de uma pessoa mostra que ela vem de muito longe.

Porém, como escrevem Yaowu Hu, da Academia Chinesa de Ciências, Fiona Marshall, da Universidade Washington de St. Louis (EUA) e colegas, “não existem dados acerca do período-chave da domesticação do gato, há entre 9500 e 4000 anos”. Ou melhor, não existiam até agora.

Os cientistas analisaram oito ossos, provenientes de pelo menos dois gatos, encontrados numa escavação arqueológica na aldeia de Quanhucun, na província de Shaanxi, Noroeste da China. Os habitantes daquela antiga aldeia, que eram agricultores, cultivavam o milhete, ou milho painço, cereal hoje comum em todo o mundo.

Por um lado, a datação por radiocarbono mostrou que os ossos tinham 5300 anos de idade – resultado que, diga-se de passagem, só por si faz recuar o aparecimento do gato doméstico na China em mais de 3000 anos. Por outro, uma análise dos vestígios de diversas formas (isótopos) de carbono e de azoto presentes no colagénio dos ossos de gato e de outros animais encontrados na área permitiu concluir que as pessoas, os gatos e… os ratos daquela aldeia comiam todos milho painço – ao passo que os veados da mesma área não consumiam esse cereal.

Para os autores, este resultado sugere, em primeira análise, que os gatos comiam os ratos que, por sua vez, comiam o milhete. “Os nossos resultados sugerem que os gatos eram atraídos para as antigas aldeias agrícolas pela presença de pequenos animais, tais como roedores, que se alimentavam das sementes que os aldeões cultivavam, armazenavam e comiam”, diz Fiona Marshall em comunicado da sua universidade.

Um outro indício corrobora a ideia de que os ratos constituíam uma real ameaça para o sustento dos aldeões, salientam os autores: o facto de eles terem armazenado o milhete em vasos de cerâmica concebidos para evitar que fossem pilhados pelos ratos. Com a expansão da cultura do milhete, proteger as sementes dos roedores tornava-se cada vez mais premente.

Mas não é tudo: num dos gatos, os cientistas detectaram uma dieta mais pobre em carne e rica em milhete do que seria de esperar num animal deste tipo. Isso sugere, escrevem ainda, que talvez o gato roubasse comida às pessoas – ou mesmo que era regular e activamente alimentado por elas.

Portanto, há mais de 5000 anos, já existiam claramente, nesta relação bidireccional animal-humano, vantagens para os dois lados, fazem notar os cientistas. Os gatos impediam que os ratos comessem os cereais dos humanos e os humanos deixavam os gatos viver entre eles, garantindo-lhes as refeições. Mesmo que os gatos não fossem ainda totalmente domésticos, esta “comensalidade” constituiria a base de uma convivência mais chegada.

Fiona Marshall, que é especialista na domesticação dos animais, faz notar no mesmo comunicado que não existem, por enquanto, dados genéticos que permitam dizer se os gatos da aldeia de Quanhucun eram descendentes do gato-bravo do Médio Oriente, uma subespécie que não é nativa dessa região. A verificar-se que o eram, explica, isso indicaria que os gatos foram domesticados fora de China e importados a seguir.

“Não sabemos ainda se esses gatos foram introduzidos na China vindos do Médio Oriente, ou se acasalaram com espécies chinesas de gatos-selvagens, nem tão-pouco se os gatos oriundos da China desempenharam algum papel, que até agora não suspeitávamos, na domesticação dos gatos”, reflecte a cientista. Desvendar esta questão faz parte da agenda da equipa para o futuro próximo.