“Que o Natal do senhor ministro seja igual ao nosso”

Desilusão, tristeza, muita tristeza, revolta e raiva. Era este o estado de espírito dos 609 trabalhadores dos ENVC após o anúncio do despedimento colectivo.

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Fala em muita tristeza, mas diz-se tomado pela raiva: “Tenho muita raiva dos governantes que só nos querem aniquilar.” E depois vem a incerteza. Como vai ser o futuro aos 51 anos de idade, 20 dos quais passados a trabalhar na montagem de estruturas metálicas pesadas. “Onde irei eu arranjar trabalho agora? Será que os nossos governantes não vêem isso. A única coisa que lhes desejo é que tenham um Natal igual ao que eu vou ter”, remata sem conseguir dizer mais nada.

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Fala em muita tristeza, mas diz-se tomado pela raiva: “Tenho muita raiva dos governantes que só nos querem aniquilar.” E depois vem a incerteza. Como vai ser o futuro aos 51 anos de idade, 20 dos quais passados a trabalhar na montagem de estruturas metálicas pesadas. “Onde irei eu arranjar trabalho agora? Será que os nossos governantes não vêem isso. A única coisa que lhes desejo é que tenham um Natal igual ao que eu vou ter”, remata sem conseguir dizer mais nada.

Nada, nem ninguém o convence que vêm aí melhores dias. Nem os 30 milhões de euros de indemnizações que o Estado vai pagar, nem a perspectiva de criação de emprego prometida pela West Sea, a empresa constituída pela Martifer à qual foi adjudicada a subconcessão dos terrenos e infra-estruturas dos ENVC. A partir de Janeiro de 2014, quando a West Sea tomar posse da empresa, serão criados 400 postos de trabalho, durante três anos, mas dependentes da carteira de encomendas.

Hélio Viana tem 57 anos e é serralheiro mecânico nos ENVC. Vai fazer 41 anos que cruzou pela primeira vez as portas da empresa e quando ela fechar não vai aceitar trabalhar “por salários miseráveis”.

“Isto vai ser tudo trabalho precário. As condições de trabalho vão ser poucas ou nenhumas. Os trabalhadores vão ser carne para canhão.” Ainda sente dificuldade em definir o que tem sentido nas últimas horas e em perceber o que aconteceu à empresa nestes mais de dois anos e meio de impasse, de avanços e recuos.

“Andámos mais de dois anos aqui sem fazer nada”, admite Hélio. Uma espera penosa que os trabalhadores iam ocupando conforme podiam.

“Uns faziam bricolage, outros viam televisão, outros jogavam às cartas, outros iam fazer caminhadas”, adiantou, classificando de “indescritível” o estado de espírito dos trabalhadores durante a indefinição que pairou sobre o futuro da empresa.

A privatização foi a primeira solução anunciada pelo Governo em 2012. Mas a investigação lançada por Bruxelas às ajudas públicas atribuídas aos ENVC entre 2006 e 2011, não declaradas à Comissão Europeia, no valor de 181 milhões de euros fez abortar o processo. Em Abril deste ano, a subconcessão foi apontada como o único caminho viável, negociada com a União Europeia. Previa, em paralelo, o encerramento da empresa e o despedimento dos trabalhadores, confirmado anteontem. Para Miguel Cerqueira não foi “surpresa”, porque já se temia o pior.

“Nós já estávamos à espera que este dia chegasse, mas o choque foi a forma como a notícia chegou”, diz o trabalhador.

“Os meus filhos são ainda pequenos, não compreendem como isto funciona e viram na televisão. Não aguentaram a emoção”, desabafou transtornado. Aos 39 anos, Miguel diz que não pode baixar os braços, mas reconhece que as perspectivas não são boas em termos de emprego. A emigração pode ser uma solução a ponderar, mas, admite, "está tudo ainda muito confuso”.

O desânimo que reinava, nesta quinta-feira, à porta da empresa espalhou-se à cidade que, disse o presidente da  câmara, está de luto.

O encerramento da empresa e despedimento colectivo dos seus 609 trabalhadores era motivo de conversa na rua e sobretudo no comércio tradicional instalado nas proximidades da empresa. Tema de discussão à mesa do café de Paulo Castro. Há mais de 11 anos de porta aberta para servir os pequenos-almoços e lanches ao trabalhadores, Paulo ainda está abalado, mas não esconde que já pressentia o pior – afinal nos últimos dois anos e meio o negócio já dava disso sinal. “Caiu 70%. Não têm dinheiro, não fazem horas extraordinárias e não consomem. A partir de agora vai ser ainda pior.”

O mesmo receio, umas ruas mais abaixo, em plena ribeira de Viana, no restaurante que José Domingues explora há 22 anos e que poderá vir a fechar portas. Os empregados já foram despedidos. Sobra ele e a mulher que ainda recordam os bons velhos tempos.

“Vinham aos 20 a 30 trabalhadores todos os dias. Agora passam-se dias que não tenho nenhum. Andam desiludidos, de cabeça baixa”, desabafa José, que augura tempos difíceis para a cidade.