O Calypso do comandante Cousteau apodrece num estaleiro

Petição online pede que o icónico navio seja classificado como património nacional francês. Desentendimentos entre a família e o estaleiro onde estava a ser reparado deixaram o navio num impasse.

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A petição partiu de um oceanógrafo e mergulhador científico francês Bruno Bombled, cujas odisseias submarinas de Cousteau, que passavam na televisão quando era criança, o puseram a sonhar. Ainda hoje se sente “um filho” do Calypso, por isso lançou a petição online, em que se pede à ministra da Cultura e da Comunicação francesa, Aurélie Filippetti, para que salve o navio.

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A petição partiu de um oceanógrafo e mergulhador científico francês Bruno Bombled, cujas odisseias submarinas de Cousteau, que passavam na televisão quando era criança, o puseram a sonhar. Ainda hoje se sente “um filho” do Calypso, por isso lançou a petição online, em que se pede à ministra da Cultura e da Comunicação francesa, Aurélie Filippetti, para que salve o navio.

“Hoje, está a apodrecer em Concarneau…o que é um escândalo”, diz a petição, que conta com mais de 9500 assinaturas, e defende a classificação do navio como património nacional francês por ter feito “avançar a ciência e as consciências em França e pelo mundo”.

Este triste presente do Calypso começou a ser traçado em 1996, um ano antes da morte de Cousteau: no porto de Singapura, foi abalroado por uma barcaça e, com danos graves, afundou-se. “Gostaria que o Calypso continuasse ao serviço da ciência e da educação”, disse então Cousteau.

O navio regressou a França e daí foi rebocado, apenas em 2007, para o porto de Concarneau, onde nos estaleiros Piriou seria restaurado. Numa primeira fase, foi o conflito entre Francine Cousteau, a segunda mulher de Cousteau, e os filhos dele que atrasaram a reparação, com a disputa pela posse do navio no centro da discórdia. Mas desde o início de 2009, o desentendimento entre os estaleiros e a Equipa Cousteau (organização para a protecção dos oceanos com sede em França, presidida por Francine Cousteau), relacionado com os pagamentos, esteve na origem da paragem das obras. No ano seguinte, a Equipa Cousteau pediu ao Ministério da Cultura francês a classificação do navio.

“Mas porquê preservar os navios?”, pergunta-se na petição. “Porque os navios têm uma alma, porque fazem parte da grande história do homem”, lê-se. “Eles são a própria imagem da solidariedade, do trabalho colectivo, do caminho comum… sem a união dos homens, não vai a nenhuma parte.”

A história gloriosa do Calypso começou nos anos de 1950. Draga-minas da Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial, transformado depois em ferry, Cousteau descobriu-o em Malta e achou que era perfeito para as suas odisseias. Um milionário irlandês, Loel Guinness, comprou-o e alugou-o em 1950 ao explorador francês por um valor simbólico, tornando possíveis os seus sonhos (depois do naufrágio em Singapura, o neto e herdeiro de Loel Guinness vendeu-o à Equipa Cousteau por um franco).

O mundo subaquático nos ecrãs
Transformado em navio oceanográfico – e com direito a uma câmara de observação subaquática na proa, composta por oito vigias –, a aventura a sério começava em 1951, dirigindo-se o Calypso para o Mar Vermelho, para estudar corais. Em 1954, iniciava-se uma grande expedição ao Mediterrâneo, Golfo Pérsico, Mar Vermelho e Índico, que esteve na base do documentário O Mundo Silencioso, vencedor da Palma de Ouro de Cannes e de um Óscar. Era a primeira longa-metragem a cores do mundo subaquático.

Em 1964, o documentário O Mundo sem Sol, que relatava a vida de seis aquanautas durante um mês numa casa construída no Mar Vermelho, a 100 metros de profundidade, também ganhou um Óscar. Igualmente famosa é a série televisiva O Mundo Submarino de Jacques Cousteau.

Mas se o Calypso é indissociável do nome de Cousteau, o gorro vermelho que usava também era uma imagem de marca do explorador. Ex-oficial da marinha francesa, não era propriamente um cientista, mas permitiu que as ciências oceanográficas se desenvolvessem através da sua divulgação junto do público e nas expedições iam muitas vezes cientistas. Entre o seu legado está ainda a invenção (com o engenheiro francês Émile Gagnan), durante a II Guerra Mundial, do regulador do escafandro, uma peça que debita o ar à pressão do ambiente. Até aí, a regulação das válvulas era manual, mas com a invenção deste aparelho pôde dar-se a conquista do mar por toda a gente.

Como grande divulgador do mar, Cousteau teve o Calypso como companheiro de viagens durante mais de 40 anos. Resta agora saber o que lhe reserva o futuro, se a morte, se a preservação de um passado glorioso.