Nem cor-de-rosa, quanto mais jornalismo!

Uma revista resolveu colocar na capa uma fotografia de José Carlos Malato em tronco nu, no hospital, repousando após o enfarte que terá sofrido. Seja qual for o contexto, tal trabalho é um insulto à classe e ao público

Fotogaleria

Tenho amigos que trabalham em revistas cor-de-rosa e eu próprio já escrevi letras minhas na imprensa da especialidade, durante longuíssimos quatro meses. Não me compreendam mal: não cuspo no prato em que comi, até porque não era segredo para nenhum dos meus colegas que fazia eu ali um trabalho que nada me tinha de aprazível, mas a verdade é que não compreendo o conceito de imprensa cor-de-rosa. Chamar jornalismo àquilo, então, é insultar os jornalistas sérios e responsáveis.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Tenho amigos que trabalham em revistas cor-de-rosa e eu próprio já escrevi letras minhas na imprensa da especialidade, durante longuíssimos quatro meses. Não me compreendam mal: não cuspo no prato em que comi, até porque não era segredo para nenhum dos meus colegas que fazia eu ali um trabalho que nada me tinha de aprazível, mas a verdade é que não compreendo o conceito de imprensa cor-de-rosa. Chamar jornalismo àquilo, então, é insultar os jornalistas sérios e responsáveis.


Esta semana, uma revista da especialidade resolveu colocar na sua capa uma fotografia do apresentador José Carlos Malato em tronco nu, numa sala de hospital, repousando após o enfarte que terá sofrido. Não conheço os contornos da coisa, não sei se a fotografia foi consentida, se foi tirada à revelia ou se o próprio Malato se viu moralmente obrigado a não vetar a peça para manter a “boa imprensa” que lhe é habitual. Seja qual for o contexto, tal trabalho é um insulto à classe e ao público que não quereria ver tal espectáculo.


O que a TVGuia fez é lamentável e envergonha-me enquanto jornalista, leitor (de outro tipo de publicações) e ser humano. Faz-me achar que os conceitos de dignidade humana, valor-notícia, direito à intimidade ou relevância pública, entre muitíssimos outros, deverão ser marcianos para os produtores de conteúdos daquela publicação. Gostava muito de ver a Entidade Reguladora para a Comunicação Social pronunciar-se sobre a questão em breve.


Portanto, vejamos: um apresentador televisivo tem uma infeliz ocorrência de saúde e há alguém num estaleiro de produção de conteúdos que fica a saber. O processo de pensamento inevitável – como tantas vezes testemunhei – é o de “tens de fazer isso”. Daí ao “traz uma foto porreira” é um instantinho. Qual ética qual carapuça. Tudo bem que andemos todos a lutar contra prejuízos e poucos compradores em banca, mas há limites.


Não será novidade para mim – nem para ninguém que acompanhe minimamente estas coisas – que a edição em questão seja um êxito nas bancas. Se não esgotar, vai andar lá perto. O problema é a pescadinha de rabo na boca de sempre. Toda a imprensa da especialidade sabe que vende, o público pouco instruído e voyeur compra porque quer ver e saber mais. Mais, mais, mais. Mais um rabo despido de uma actriz, mais uma escandaleira com um músico popular, mais duas semanas de espera “jornalística” à porta de uma celebridade a contar quantos homens mete ela em casa. E assim andaremos sempre.


A discussão sobre o que é público e privado já tem raízes e ainda ninguém na academia chegou a uma resposta conclusiva capaz de orientar o jornalismo do quotidiano. Deverá, por isso, servir o bom senso para regrar o que é ou não publicável. E bom senso é o que mais falta a uma capa destas, certo TVGuia? E quem diz TVGuia diz outra qualquer.


Que as figuras públicas são passíveis de ter a sua vida escrutinada nas páginas dos jornais não é novidade para ninguém. Até aqui, nada contra. No entanto, é preciso traçar uma fronteira clara entre o que é de interesse público e o que é do foro privado de cada um. Por muito apetecível que seja o voyeurismo, na redacção ou na banca, é preciso resistir. E, já agora, haja decência e um bocadinho mais de responsabilidade, se der para ser. Boas melhoras ao Malato.