“O da Joana”, de Valério Romão

Depois de ler “Autismo” e esta novela, o leitor pode ser induzido em erro. Valério Romão não faz do sofrimento a “sua” literatura

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Ler “O da Joana” (Editora Abysmo), de Valério Romão (1974, França), é percorrer cada frase imerso na dor, enquanto se transpira a frio. A palavra é uma mater dolorosa. Do seu ventre vem o sofrimento, parido como nado-morto.

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Ler “O da Joana” (Editora Abysmo), de Valério Romão (1974, França), é percorrer cada frase imerso na dor, enquanto se transpira a frio. A palavra é uma mater dolorosa. Do seu ventre vem o sofrimento, parido como nado-morto.

O escritor continua, depois de “Autismo”, a desenhar a geografia da dor, da perda de expectativas, do ruir das fundações emocionais do indivíduo. “O da Joana”, a sua novela mais recente, é o 2º volume da trilogia “Paternalidades Falhadas”. E é uma belíssima e pungente criação literária.

Joana sempre quis ter um bebé. Desde o início do casamento que tem um quarto pronto, mantido com dedicação, para a criança que haveria de chegar. Fica grávida e às 31 semanas rebentam-lhe as águas. O bebé morre antes de nascer.

O enredo, simples, é a estrutura de uma narração que consegue, de forma brilhante, manter a tensão desde a primeira até à última frase. O leitor não se engane: “O da Joana” não é um livro inócuo. A intensidade emocional levá-lo-á a experimentar ou a enfrentar medos. A prosa mantém o leitor viciado no inferno de Joana. A leitura mantém-se no limite do suportável.

Em torno da agonia da personagem principal, é desenhado um movimento heliocêntrico. O ritmo é rápido, com poucas paragens para respirar, ou assimilar as imagens e emoções que são propostas. O foco da narração mantém-se muito perto dos movimentos e das expressões das personagens. Não há escapes, não há “travelling”, não há descanso.

A emoção é o ponto forte desta novela, mas o autor nunca cede perante o sentimentalismo oco, sem outra função que não a de entreter. É duro, escreve no osso, atira a contar.

Depois de ler “Autismo” e esta novela, o leitor pode ser induzido em erro. Valério Romão não faz do sofrimento a “sua” literatura. É um tema; não é o escritor, apesar do biografismo de “Autismo”.

A sua capacidade literária é perceptível na inteligência e labor com que transforma matéria real em linguagem literária. E serão essas características a determinar a qualidade dos próximos livros.

O já mencionado ritmo, a destreza na gestão dos pontos dramáticos, a capacidade para desassossegar os leitores e a competência na construção de personagens complexas fazem desta novela uma obra digna do tempo dado pelo leitor.

“O da Joana”, “Autismo” e o conto “À medida que fomos recuperando a mãe”, na revista Granta, n.º1, impõem – devido à qualidade literária- Valério Romão como um autor a ser lido com muita atenção.