Afinal, sangue seco de Luís XVI e cabeça de Henrique IV podem não ser deles

ADN das relíquias atribuídas a dois reis franceses foi comparado com ADN de familiares ainda hoje vivos.

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Publicado esta quarta-feira na revista European Journal of Human Genetics, o novo estudo utilizou amostras de ADN de três representantes masculinos vivos da Casa de Bourbon, que têm como antepassado comum Luís XIII, filho de Henrique IV.

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Publicado esta quarta-feira na revista European Journal of Human Genetics, o novo estudo utilizou amostras de ADN de três representantes masculinos vivos da Casa de Bourbon, que têm como antepassado comum Luís XIII, filho de Henrique IV.

A partir destes três Bourbon vivos, a equipa do geneticista Jean-Jacques Cassiman (da Universidade de Lovaina, na Bélgica) e do historiador francês Philippe Delorme (investigador independente) pôde identificar, nos homens da Casa de Bourbon, uma determinada variação genética no cromossoma masculino Y, que foi sendo transmitida pela linhagem masculina.

Mas essa variação no cromossoma Y, considerada por Philippe Delorme como a “verdadeira variante dos Bourbon” da dinastia francesa, não foi encontrada nos perfis genéticos antes traçados das relíquias atribuídas a Luís XVI, morto na guilhotina a 21 de Janeiro de 1793, e a Henrique IV, assassinado a 14 de Maio de 1610.

“Não é o sangue de Luís XVI”, afirmou Jean-Jacques Cassiman à agência noticiosa AFP, dizendo ainda que não se pode também atribuir a Henrique IV o ADN extraído da cabeça. A verdadeira variante dos Bourbon, sublinha por sua vez o artigo científico, é diferente dos perfis genéticos publicados antes sobre o sangue e a cabeça: “Portanto, a identificação anterior destas amostras não pode ser validada.”

Numa segunda comparação, desta vez usando ADN mitocondrial (transmitido apenas pela linhagem materna), a equipa mostrou ainda o ADN da cabeça mumificada é diferente do de uma série de familiares de Henrique IV.

 

Deambulações de uma cabeça
A cabeça foi reencontrada em 2008, depois de vários séculos de deambulações. Como outros reis de França, Henrique IV foi sepultado na basílica de Saint-Denis. Mas a sepultura foi profanada em 1793, em pleno período de terror a seguir à Revolução Francesa, e uma suposta cabeça embalsamada do rei foi passando de colecção privada em colecção privada. No século XIX, há registo de que estava na posse de um conde alemão, depois perdeu-se-lhe o rasto, até que reapareceu em 1919, quando um antiquário francês a comprou e depois a vendeu.

Em 2010, dois anos depois de ter sido reencontrada, a cabeça foi autenticada como sendo de Henrique IV, por uma vintena de especialistas liderados pelo médico-legista Philippe Charlier, do Hospital Raymond-Poincaré, em Garches, França. Nesta altura, a equipa não tinha conseguido extrair ADN das amostras.

Mas em Março de 2013, a equipa de Philippe Charlier – que incluiu o investigador espanhol em paleogenética Charles Lalueza-Fox, do Instituto de Biologia Evolutiva de Barcelona – publicou, na revista Forensic Science International, perfis genéticos dos dois reis franceses, traçados a partir de ADN extraído da cabeça mumificada e de um trapo supostamente embebido com sangue de Luís XVI no dia da sua morte. Esse trapo foi guardado dentro de uma abóbora seca que serviu de cantil, na posse de uma família italiana.

Para a equipa franco-espanhola, a concordância genética que obteve entre as duas relíquias era a confirmação de que pertenciam aos dois reis de França, separados, em linha de descendência masculina directa, por sete gerações.  

Agora, as conclusões desse trabalho são contestadas no novo artigo, antes de mais porque os resultados anteriores se baseavam numa sequência limitada de informação genética no cromossoma Y. Embora Jean-Jacques Cassiman, Philippe Delorme e colegas não excluam por completo a contaminação das amostras de ADN, o novo resultado que obtiveram indica que não existe qualquer relação de parentesco entre os dadores vivos e as amostras genéticas do sangue e da cabeça. “Os testes de ADN de familiares vivos, relacionados pelo lado paterno ou materno, devem ser um requisito para resolver casos históricos com ADN antigo”, diz a equipa na revista European Journal of Human Genetics.

O artigo termina com sugestões de mais estudos. “A análise do cromossoma Y ao coração já identificado de Luís XVII, filho de Luís XVI, pode tirar todas as dúvidas sobre a identificação da amostra de sangue, além de também poder resolver a controvérsia da paternidade do filho de Luís XVI.”