2015: sobreviveremos, mas o mais provável é que eu ainda esteja pior

O desafio do editor é 2015. “Diz-nos lá, Nuno, como é que achas que vai ser”. Do alto da minha soberba – sou português, afinal - tenho óptimas notícias: isto não vai voltar a ser como era

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Não me tomem como exemplo, o mais provável é que em dois anos esteja ainda pior. Da última vez que fiz análises, descobri que tinha o colesterol alto e o fígado a precisar de dieta. Poupei-me por umas semanas, mas depois descobri que o melhor tratamento era não voltar ao médico.

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Não me tomem como exemplo, o mais provável é que em dois anos esteja ainda pior. Da última vez que fiz análises, descobri que tinha o colesterol alto e o fígado a precisar de dieta. Poupei-me por umas semanas, mas depois descobri que o melhor tratamento era não voltar ao médico.

Ainda cá devemos andar. Tenho defendido que é uma questão de ajuste. De mudarmos prioridades e recentrarmos a nossa vida em coisas realmente importantes. Tivemo-nos demasiado tempo confiscados pelo acessório. Construímos – em grande medida porque fomos levados a isso por um Estado gastador, e um sistema financeiro voraz, irresponsável e imoral – a ilusão de que todos podíamos ter tudo. Os bons carros e os seus extras, as casas próprias e os acabamentos de luxo. Cinquenta anos pré-aprovados.

Somos da época dos cheques que chegavam a casa, dos créditos por telefone. Somos da era dos cartões de crédito: do azul, do prateado e do dourado. Do pagamento a 6, 12 e 24 meses. E por isso acabámos por ser do tempo dos malparados, das famílias endividadas e dos dramas que, esses sim, poderiam ter sido evitados.

Podemos não ter culpa do desemprego, da emigração e do país falido – e se calhar até temos, porque isto é nosso para o bem e para o mal – mas somos os principais responsáveis pelas nossas vidas e o que fazemos com elas. Talvez nos devêssemos ter interessado mais, participado mais, feito mais. Mas talvez isso canse e talvez seja melhor insultar o cronista na caixa de comentários.

Antecipo que depois disto se siga um enorme apedrejamento. Também somos do tempo, e da espécie, que só aceita opiniões se não forem contrárias. Relativamente democráticos, relativamente tolerantes e relativamente relativos. A culpa há-de ser do gordo, caixa de óculos, que não sabe o que diz, que cresceu num berço de ouro, que nunca passou mal, que “tu vê-me lá a carinha de beto que o tipo tem! O que é que ele sabe da vida? Porque nesta merda deste país o único que sabe das coisas sou eu com os meus Ray Ban!”.

O desafio do editor é 2015. “Diz-nos lá, Nuno, como é que achas que vai ser”. Do alto da minha soberba – sou português, afinal - tenho óptimas notícias: isto não vai voltar a ser como era. Passar-se-ão anos até que, ao menos, se assemelhe. E ainda bem. E tenho notícias ainda melhores: estaremos cá, sobreviveremos. E seremos, se quisermos, muito mais felizes do que fomos até aqui.

Fomos obrigados a gerir expectativas. E na vida não há nada pior do que isso. Mudar o que tomamos por certo. Desacreditar no que acreditávamos. Portugal, que nos tem e que nos nega, deixou-nos assim, desamparados, num lugar estranho e incerto em que o longo prazo não vai além de hoje. É demais para quem não pediu. Demasiado para quem achava que ia ser diferente. Devemo-nos o melhor possível e mesmo que isso pareça pouco, há-de ser quanto baste para darmos a volta a isto. Assim comecemos por nós mesmos.