Advogados não sabem onde está jovem levado pela polícia numa vigília em Luanda

Chama-se Emiliano Catumbela, faz parte do Movimento Revolucionário, que contesta o poder angolano e quis assinalar o 1.º aniversário do desaparecimento de dois colegas desta organização com uma vigília.

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Jovens organizaram vigília na capital de Angola Miguel Madeira

“O detido não está nas cadeias do Comando Provincial da Polícia Nacional nem na Procuradoria-Geral da República”, disse ao PÚBLICO Salvador Pereira, presidente da Associação Mãos Livres e um dos dois advogados do jovem. Desde terça-feira que o advogado tenta visitar Emiliano Catumbela.

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“O detido não está nas cadeias do Comando Provincial da Polícia Nacional nem na Procuradoria-Geral da República”, disse ao PÚBLICO Salvador Pereira, presidente da Associação Mãos Livres e um dos dois advogados do jovem. Desde terça-feira que o advogado tenta visitar Emiliano Catumbela.

“Não sabemos onde ele está”, acentua. A Procuradoria-Geral da República devolveu o processo e exigiu a presença do detido. E no Comando Provincial da Polícia Nacional disseram que ele não se encontrava ali. “Alguma coisa não está a ser esclarecida, mas acreditamos que o jovem esteja bem”, continua. Emiliano Catumbela devia ter tido acesso imediato a um advogado e não teve, acrescenta.

Catumbela é membro do Movimento Revolucionário, que reúne pessoas que contestam, desde 2011, o poder de José Eduardo dos Santos através de manifestações pacíficas, algumas reprimidas pela polícia. O mesmo movimento que organizou esta vigília, onde vários testemunhos dão conta de espancamentos a jovens e violência policial, que a polícia justifica com ofensas aos seus próprios agentes. Os contestatários desmentem. 

Pelo menos dez manifestantes foram detidos e depois libertados. Um teve alta na terça-feira à noite da clínica onde deu entrada com ferimentos. Os colegas do movimento dizem que foi vítima de violência policial. Chama-se Raul Lino. “Mandela” é o seu nome de luta.

Raptados sem deixar rasto
A vigília terá juntado poucas centenas de pessoas, diz ao PÚBLICO Adolfo Campos, do movimento, que continua a exigir a saída de José Eduardo dos Santos, “por excesso de tempo no poder” (34 anos) e “má governação”. Desta vez, porém, era mais importante lembrar os dois jovens desaparecidos há exactamente um ano – Alves Kamulingue, de 30 anos, e Isaías Cassule, de 34 anos, que eram activistas do Movimento Revolucionário e foram raptados sem deixar rasto. Além disso, o movimento não queria deixar passar em branco o aniversário do 27 de Maio de 1977, quando dezenas de milhares de pessoas desapareceram na repressão contra a acção do movimento fraccionista de Nito Alves e José Van Dunem, acusado de tentar derrubar o então Presidente Agostinho Neto.

Depois de a polícia dispersar a vigília, o advogado angolano David Mendes andou de esquadra em esquadra, à procura dos detidos. Momentos antes, testemunhara a presença de “uma centena de agentes da polícia, a cavalo ou com cães, e elementos da polícia antiterror, assistidos por helicópteros”.

A polícia montou uma barreira que impedia a passagem de grupos de jovens que iam chegando, conta o advogado, que chegou ao local quando começaram as detenções. “Até à meia-noite, uma grande área em redor esteve sob a vigilância da polícia canina e da polícia antiterror.”

Jovens foram levados em grupos pequenos
A Polícia Nacional não diz quantas pessoas deteve. E justifica a acção policial contra os manifestantes através dum comunicado citado pela Lusa. Nele explica que foi “forçada a intervir para persuadir um pequeno ajuntamento de jovens no Largo da Independência”, que pretendiam realizar “uma vigília não autorizada pelo Governo Provincial”, e acusa os presentes de “arremessaram pedras e outros objectos” contra os agentes, justificando assim a necessidade de “recolhê-los, em viaturas” e “dispersá-los noutros locais”.

Foram levados separadamente, em grupos pequenos e dispersos, confirma David Mendes. O objectivo, considera o advogado, era dispersá-los, para “que não houvesse forma de saber quantos foram detidos” no total.

Nesta vigília em Luanda, a “concentração de meios policiais” acima do que seria previsível explica-se, segundo o advogado angolano David Mendes, pelo simbolismo da data: 27 de Maio de 1977.

No ano passado, Alves Kamulingue, de 30 anos, foi raptado na Baixa de Luanda, quando se dirigia para uma manifestação de antigos combatentes que reclamavam o pagamento de pensões em atraso. Era ele mesmo antigo militar e membro do Movimento Revolucionário, que, pelo menos desde o início de 2011, contesta o poder de José Eduardo dos Santos.

Dois dias depois, a 29 de Maio, desaparecia o seu colega Isaías Cassule, de 34 anos. Um e outro continuam desaparecidos. Os familiares não têm qualquer informação da polícia. Amigos e colegas do Movimento Revolucionário têm poucas esperanças de que estejam vivos. “Estamos a exigir que sejam entregues à família, para um enterro condigno”, diz Adolfo Campos, uma das vozes do movimento que acreditam que os dois foram levados, nesse dia, pela polícia, que nega tê-lo feito.