O Lar de Idosos dos Aires Mateus, finalista do Mies

O edifício em Alcácer do Sal, construído em 2010, foi desenhado para uma “ocupação total” dos seus habitantes, pessoas idosas e com necessidades de saúde que passam o seu dia-a-dia no interior ou exterior daquelas paredes.

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 Os arquitectos Aires Mateus ficaram surpreendidos com a nomeação, em parte por se tratar de um projecto que à partida “não é tão apelativo” como um museu ou um centro cultural. Manuel Aires Mateus diz que um lar de idosos é um programa duro: "Não há esse lado do apego que há num museu ou em equipamentos que mostram um lado mais feliz da vida. Este é um lado mais real.”

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 Os arquitectos Aires Mateus ficaram surpreendidos com a nomeação, em parte por se tratar de um projecto que à partida “não é tão apelativo” como um museu ou um centro cultural. Manuel Aires Mateus diz que um lar de idosos é um programa duro: "Não há esse lado do apego que há num museu ou em equipamentos que mostram um lado mais feliz da vida. Este é um lado mais real.”

O projecto foi concebido em função de uma comunidade específica de pessoas idosas, que para além dos cuidados de saúde de que necessita tem carências económicas ou problemas familiares. “É normalmente gente rural que vem não apenas de Alcácer do Sal mas também das aldeias próximas. Nesta nova sociedade passam a viver com relações que não tiveram, o seu universo alarga-se”, explica, acrescentando que vão ter uma alteração significativa dos seus hábitos. Uma das preocupações dos arquitectos foi “valorizar a vivência” dos seus habitantes, que passam o dia-a-dia em torno do edifício, seja no interior dos quartos e dos espaços de convívio, seja no exterior. “O edifício foi desenhado para uma ocupação total”, explica Manuel Aires Mateus.

Tendo em conta que o dia-a-dia dessas pessoas é marcado pela movimentação ao longo dos corredores e entre os vários espaços, a ideia de percurso foi central na execução do projecto. “A distância entre os núcleos independentes é medida e desenhada, transformando a ideia de percurso em vida, e o seu tempo em desenho”, lê-se no comunicado de imprensa. A deslocação ao longo do edifício é entendida como uma forma de promover a relação entre as pessoas, sublinha Manuel Aires Mateus, para quem a relação entre o espaço privado e público é “fundamental”. Para os arquitectos, o Lar de Idosos de Alcácer do Sal “procura compreender e reinterpretar o binómio social/privado, respondendo por um lado à vida em comunidade e por outro à vida em solidão”, escreveram no comunicado de imprensa.

Mas esta “relação entre a vida social e de privacidade” não é a única desenvolvida no projecto. Para os arquitectos, o Lar de Idosos marca também a fronteira entre o espaço urbano e rural. "O edifício está aconchegado no limite da cidade e ao mesmo tempo abre-se para o campo, tem uma fronteira com a ruralidade”, esclarece Manuel Aires Mateus.

Esta não é a primeira colaboração dos arquitectos com a Misericórdia nem é o primeiro lar de idosos que desenham. Em 1993 projectaram o Bloco II da Enfermaria para Idosos da Misericórdia de Grândola, curiosamente o seu primeiro “edifício público, para além das casas individuais e moradias”.

Os vinte anos que separam a construção destes dois equipamentos determinaram um contexto da criação totalmente diferente. Se há 20 anos não havia legislação a regular a construção deste tipo de equipamentos, hoje em dia o cenário é outro. No primeiro projecto - Bloco II da Enfermaria para Idosos - os arquitectos trabalharam sem limites definidos “as dimensões, comodidade, a maneira como se montava um programa destes”. Andámos a procura do que era um programa destes sem legislação” explicou Manuel Aires Mateus. Na altura, os arquitectos chegaram às dimensões de “forma intuitiva”.

Pelo contrário, o Lar de Idosos de Alcácer do Sal (2006) foi “feito para responder à legislação. Hoje em dia há normas para fazer um equipamento destes”. Segundo o arquitecto, para além da diferença apontada acima, o projecto de 2006 oferece “maior resistência ao uso”, “maior clareza na resposta” e “maior qualidade espacial”. “Na altura, percebemos a ambição que um projecto destes podia ter e agora respondemos a essa ambição”, esclarece Manuel Aires Mateus.