D. José Policarpo reconhece dificuldades do Papa em governar a Igreja

Cardeal de Lisboa não conhece as razões por que Bento XVI abandona o cargo, mas enumera algumas.

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D. José Policarpo deu uma conferência de imprensa na manhã de terça-feira Rui Gaudêncio

Os escândalos da pedofilia; o fenómeno conservador dos cristãos que seguem o cardeal Marcel Lefebvre; e as cartas tornadas públicas pelo mordomo do Papa, no último ano, são os temas que o cardeal-patriarcada aponta como as "frentes mais complicadas" que Bento XVI teve de enfrentar.

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Os escândalos da pedofilia; o fenómeno conservador dos cristãos que seguem o cardeal Marcel Lefebvre; e as cartas tornadas públicas pelo mordomo do Papa, no último ano, são os temas que o cardeal-patriarcada aponta como as "frentes mais complicadas" que Bento XVI teve de enfrentar.

"Não sei quantos bispos demitiu, mas foi um homem de grande coragem", aponta D. José Policarpo sobre o escândalo da pedofilia, lembrando ainda os documentos redigidos por Bento XVI para aplicar nas dioceses, de maneira a combater e a evitar o abuso de crianças por consagrados.

Quanto ao chamado "lefebvrismo", D. José Policarpo recorda que este foi um dossier herdado de João Paulo II e que o objectivo do Vaticano é evitar um "novo cisma do Ocidente", entre os católicos pós e pré-Concílio Vaticano II, mas que Bento XVI não conseguiu grandes resultados. Sobre os seguidores do cardeal francês o patriarca de Lisboa diz: "É um problema de fé: se acreditam ou não na fé da Igreja."

Marcel Lefebvre não aceitou as decisões saídas do Concílio Vaticano II, há 50 anos, não obedecendo, por isso, ao Papa e tendo ordenado quatro bispos à revelia da Santa Sé. "Este dossier não avançou e sei que fez sofrer muito o Santo Padre", diz D. José, reforçando que Bento XVI não esqueceu o Vaticano II e por isso a Igreja celebra actualmente o Ano da Fé, "proclamando a actualidade do Concílio como bússola segura".

Outro "dossier difícil" foi "o que se passou há meses dentro da Cúria" com a divulgação de cartas do Papa pelo seu mordomo. "Magoou muito o santo padre e deve tê-lo preocupado." D. José confessa que rezou muito por Bento XVI durante esse período.

Agora, até que ponto estes temas fizer o Papa renunciar ao cargo D. José Policarpo diz que "não sabe". "Ninguém pode impedir que o Papa sofra", acrescenta, mas "os motivos reais que o levaram a sentir-se sem força, só ele sabe."

D. José lembra que, em termos físicos, Bento XVI está muito debilitado. Fez vários bypasses e tem dificuldade em andar, é ajudado a subir as escadas e tem "uma carripana engraçada" para fazer o cortejo litúrgico na Basílica de S. Pedro, exemplifica.

Papa era a excepção
A renúncia de Bento XVI é histórica e, apesar de não ser única, abre um precedente a que os futuros papas o possam vir a fazer, reconhece o cardeal-patriarca, lembrando que antigamente os cargos eram vitalícios e havia uma justificação espiritual para tal: "Quando se entregava a uma missão, entregava-se a vida." "Havia uma espiritualidade na entrega a estes cargos vitalícios", reforça.

Contudo, o Concílio Vaticano II abre essa possibilidade quando define que para os "grandes serviços da Igreja a pessoa deve estar capaz de a exercer". O Papa Paulo VI regulou essa matéria para os bispos – que devem apresentar a sua renúncia aos 75 anos – mas não o fez para o sumo pontífice. "No âmbito da Cúria Romana, o Papa era a excepção", explica D. José. Agora, Bento XVI abriu um precedente histórico. "É uma decisão que fez história."

O cardeal-patriarca está convencido que não se estabelecerão regras, mas que os "futuros papas estão mais livres" para renunciar. "Penso que o fim de João Paulo II fez repensar esta questão", reflecte, acrescentando que aquele também pensou em renunciar, mas foi pressionado a não o fazer. Talvez por isso, Bento XVI tenha surpreendido todos com a sua decisão, mesmo os que lhe estavam mais próximos.
Mas o Papa preparou a sua saída, continua o cardea-patriarca; caso contrário, não tinha nomeado mais seis cardeais, recentemente, depois de já ter reunido o consistório. Pretendia assim que o colégio de eleitores estivesse completo para eleger o seu sucessor. "Agora percebo", confessa.

Sucessor mais jovem
D. José Policarpo não diz em quem vai votar para ser o sucessor de Bento XVI, mas avança que gostaria que fosse uma pessoa mais nova. Para "estar capacitado para exercer o ministério da Igreja" deve ser um "homem mais novo". "Tem havido uma alternância entre mais jovens e mais velhos, é normal que este conclave escolha um mais novo", considera.

Apesar de já se jogar o "totopapa", como diz o patriarca, não se sabe quem será o escolhido.Contudo, D. José confessa que gostava que fosse um asiático. "As hipóteses não são muitas, mas era um sinal ao continente onde a Igreja está a crescer mais." O importante é "identificar uma personalidade com capacidade de gerir a Igreja. Uma pessoa mais nova dava fôlego no princípio deste milénio", defende.


 D. José não obedece a esse critério. Tem 77 anos e deveria abandonar o cargo de cardeal-patriarca no próximo dia 26 – embora ainda não saiba o que vai suceder, uma vez que cabe ao Papa decidir. "Estou descansado, porque é pouco provável [ser Papa]", conclui.