Quase toda a pintura de Manet é retrato

Exposição em Londres reúne 50 obras do artista francês a quem devemos alguns dos ícones da pintura universal, como Le déjeuner sur l'herbe e Olímpia. A Royal Academy acredita que tem em mãos um blockbuster, mesmo que haja críticos “decepcionados”

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A escala – épica ou doméstica, como escreve o diário britânico The Guardian – é-lhe indiferente. Manet não muda a forma de trabalhar.

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A escala – épica ou doméstica, como escreve o diário britânico The Guardian – é-lhe indiferente. Manet não muda a forma de trabalhar.

Figura-chave da pintura do século XIX, Édouard Manet (1832-1883) é muitas vezes arrumado na prateleira dos impressionistas, embora seja mais correcto, defendem muitos, inscrevê-lo na transição do realismo para a modernidade, sem o rótulo "impressionista" que se pode atribuir com justeza a artistas como Claude Monet, Pierre-Auguste Renoir e Edgar Degas.

Manet: Portraying Life, a exposição que a Royal Academy de Londres inaugura no próximo sábado, não está interessada em analisar este equívoco. Preocupa-se, sobretudo, com o Manet-retratista, partindo de 50 pinturas que pertencem a colecções públicas e privadas espalhadas pela Europa, Ásia e Estados Unidos. É certo que faltam obras-primas como Olímpia, Almoço na Relva/Le déjeuner sur l'herbe (a primeira versão), A Varanda e O Bar do Folies Bergère, mas estão lá outras como O Caminho-de-Ferro, Berthe Morisot com Violetas e, sobretudo, Música no Jardim das Tulherias, uma espécie de retrato colectivo da sociedade parisiense do século XIX.

Estão lá os amigos escritores, críticos e músicos, primeiros entusiastas da sua arte, que tantas vezes lhe serviram de modelo. Estão lá também os familiares, em particular a mulher com quem casou em 1863, Suzanne Leenhoff – Léon, o adolescente de As Bolas de Sabão (1867), pintura que os comissários da exposição pediram emprestada ao Museu Gulbenkian, em Lisboa, é o filho ilegítimo desta talentosa pianista. Manet haveria de pintá-lo noutras ocasiões.

O crítico e político Antonin Proust, o jornalista Théodore Duret, os escritores Émile Zola e Charles Baudelaire, as pintoras Eva González e Berthe Morisot são alguns dos artistas e intelectuais que fazem parte desta exposição que a Royal Academy acredita venha a ser um dos blockbusters do ano. Mas há ainda muitos anónimos, como a cantora de rua que come uvas, e os seus modelos femininos, em especial o favorito, Victorine Meurent, a quem Manet vai buscar o rosto da mulher que, causando grande escândalo, retrata nua entre dois homens numa das suas obras mais importantes, Le déjeuner sur l'herbe (1863).  

“[Manet] é uma figura enigmática que, de certa forma, temos tendência a evitar”, disse ao diário espanhol El País a comissária da exposição, Mary Anne Stevens, na sua apresentação à imprensa. Mas “sem ele não se pode compreender a história da arte depois de 1850”, acrescentou Larry Nichols, conservador do Museu de Arte de Toledo, no Ohio, e co-comissário de Manet: Portraying Life.

Para o crítico de arte do Guardian, a exposição da Royal Academy está longe de ser tão marcante como a que o Museu do Prado, em Madrid, e o D’Orsay, em Paris, dedicaram ao pintor em 2003 e 2011, respectivamente. Adrian Searle saiu da Royal Academy “desiludido” e defende que Manet: Portraying Life não procura olhar para a obra deste francês sob uma nova perspectiva nem aprofundar leituras já existentes – limita-se a explorar o papel do retrato no seu percurso. E sem grande interesse. Mesmo assim, diz, vale a pena a visita. Até porque, independentemente do que estivesse a pintar – uma cena de exterior, como Música no Jardim das Tulherias, ou apenas um modelo no atelier, como Berthe Morisot com Violetas –, Manet fazia sempre retrato. E é desafiante perceber como.

“O que é incontornável, mesmo nesta exposição decepcionante, é a capacidade de Manet para manipular diferentes registos na pintura”, escreve Searle nas páginas do diário britânico. “Quer prestando homenagem a um passado mais distante (Rubens, Velázquez, Ticiano, Frans Hals e Chardin) ou pegando no realismo de Gustave Courbet e nos modos dos salonistas seus contemporâneos, Manet estava constantemente a enriquecer a sua arte, desenvolvendo uma perversa síntese do passado e do mundo à sua volta.”

O pintor, que morreu com apenas 51 anos, deixou um extenso corpo de obras (cerca de 400) e continua a provocar acesas disputas em leilão. E é por ser tão popular que a Royal Academy, prevendo uma grande afluência de público, decidiu prolongar os horários das visitas às sextas e sábados. Manet: Portraying Life acaba a 14 de Abril.