"Ele ia estudando, mas sempre com o computador aberto ao lado"

Na primeira pessoa, Isabel Jordão, 52 anos, conta a experiência do filho de 18 anos.

Na realidade ele começou a jogar com a conta de outro amigo. Eles vão à descoberta destes jogos na Internet e conversam uns com outros sobre as novidades. Como ele queria jogar mais e ter a conta dele, paguei-lhe a mensalidade. Mas avisei-o de que teria de continuar a cumprir as suas obrigações escolares e outras responsabilidades.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Na realidade ele começou a jogar com a conta de outro amigo. Eles vão à descoberta destes jogos na Internet e conversam uns com outros sobre as novidades. Como ele queria jogar mais e ter a conta dele, paguei-lhe a mensalidade. Mas avisei-o de que teria de continuar a cumprir as suas obrigações escolares e outras responsabilidades.

Ele ia estudando, mas sempre com o computador aberto ao lado e, de vez em quando, lá ia mexendo nas teclas. Eu via aquilo e dizia-lhe que tinha de separar as águas, primeiro estudava, depois jogava.

Aos poucos, comecei a perceber que o estudo estava a ser posto de lado e, a certa altura, era só jogo, Internet e computador.

Chegou a um ponto em que eu disse: "Mas o que é que se passa? Que jogo é este?" Era um jogo que se passava num castelo, num ambiente medieval, com elementos que viviam lá e que tinham tarefas. O meu filho era um deles, tinha funções e não podia morrer.

Tinha de reagir às situações, e tinha de estar sempre atento ao que se passava. Se se desligava, corria o risco de lhe acontecer algo. Ele ia para a cama com o computador, adormecia com o computador ao lado. Era horrível. Quando eu estava a conversar com ele, ele nem ouvia. Dizia-me: "Espera aí um bocadinho que eu não posso morrer". Era uma aflição.

Chegou a pedir-me mais um euro ou dois para comprar botas e um escudo para se defender de uma luta que lá ia ter. E entrou no campo da chantagem. Se eu lhe dizia que não lhe renovava mais o jogo, porque ele não estava a cumprir as suas responsabilidades, ele dizia que não ia à escola. Chegou a este ponto.

Não ia sair connosco para ficar a jogar, na escola o rendimento baixou. Deitava-se tarde porque ficava a jogar com jovens de outros fusos horários e para se levantar de manhã era um problema muito grande.

Foi um ano e tal nesta luta terrível. Foi para o psiquiatra e para o psicólogo. Tentámos sempre contrariá-lo, tentámos fazer-lhe ver que ele não dominava o jogo, era o jogo que o dominava a ele. Tanto batalhámos, tanto batalhámos que lá conseguimos que ele se desligasse.

Hoje, passado um ano, esta guerra acabou. Hoje, com 18 anos, ele já reconhece que eu tinha razão, que o jogo o tinha dominado.

Antes desta febre dos jogos, ele utilizava de forma correcta e positiva a Internet, por exemplo para trabalhos escolares. De repente a situação virou e ele refugiou-se no computador. Isto também depende do temperamento dos miúdos, porque eu sempre tentei que os meus filhos se interessassem por desporto, por exemplo. Mas ele tem alergias e, como não podia fazer natação, desinteressou-se.

Felizmente, hoje já sai, vai passear. Continua a navegar na Internet, mas de forma razoável. Foi uma luta muito dura, de grande sofrimento. Mas eu ganhei. E ele também.

Depoimento recolhido por Maria João Lopes