A última aula de Paulo Varela Gomes

Não é provavelmente muito canónico escrever sobre o colunista que comigo alterna semanalmente neste espaço do jornal. Mas canónico também não é o Paulo Varela Gomes, e a ocasião justifica-o.

Desde logo, não sendo arquitecto, era estranho ao "chorinho" dos arquitectos que ainda hoje se faz notar. Depois, acrescentava uma cultura anglo-saxónica à matriz essencialmente latina da arquitectura portuguesa. Depois, ainda, escrevia muito bem e depressa, electrocutando a arquitectura com todos os seus opostos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Desde logo, não sendo arquitecto, era estranho ao "chorinho" dos arquitectos que ainda hoje se faz notar. Depois, acrescentava uma cultura anglo-saxónica à matriz essencialmente latina da arquitectura portuguesa. Depois, ainda, escrevia muito bem e depressa, electrocutando a arquitectura com todos os seus opostos.Após anos de intensa militância comunista, deixava-se seduzir por tudo o que se dissolvia no ar. A democracia descobria-se no prazer da vida a impor-se (provisoriamente) aos rigores da luta política, que é uma das formas de definir o pós-modernismo desse período, em Lisboa. Acompanhando a inclinação do tempo, no final da década aproxima-se da cultura do Porto. Entretanto, a conjugação de uma vertiginosa curiosidade com a disciplina do historiador criava objectos brilhantemente au courant. É ainda um intelectual com cultura visual, uma raridade entre nós.A partir do início dos anos 1990 comecei a encontrá-lo regularmente na nossa escola, na Universidade de Coimbra. Enfant terrible (ou devo dizertroublemaker?), por natureza, o Paulo revelava-se também um extraordinário professor. Sem par, em todos os aspectos científicos e pedagógicos, mantinha uma inata tendência para a agit-prop. Tudo somado, ficávamos a ganhar, de longe.No momento em que escrevo, o Paulo ainda não leccionou a Última Aula, na nossa escola, o que já terá acontecido quando me estiverem a ler. Aposentou-se, também cansado da particular energia preguiçosa dos alunos, que sempre o adoraram. Merece um reconhecimento nacional, e internacional, alargado e formal, que lhe tem escapado. Felizmente conta com uma legião de admiradores, onde me incluo.Ultimamente, desiludiu-se muito com o nosso país, como tanta gente. Os tempos recentes têm dado razão à sua veia apocalíptica, contra o meu optimismo, um motivo permanente das nossas conversas. A alegria caótica de anos passados, no momento da democracia, deu lugar ao regresso a uma matriz neo-tardo-eco-marxista. Mas nesse ressentimento há ainda uma alegria que muitos "optimistas" nem sequer sonham que existe. Para a crítica de arquitectura em Portugal - que foi apenas uma ocupação parcial e temporária -, o Paulo Varela Gomes é um Big Bangsó comparável ao Nuno Portas. O que eu aprendi com ele - o que eu copiei dele - explica quase tudo o que faço. Por isso, ao contrário do que dizes, Paulo, não posso ser mais adulto do que tu.