Unidade secreta da PSP pediu imagens com logo da RTP para usar em tribunal

Entidade Reguladora para a Comunicação Social decidiu chamar para audição todos os intervenientes da RTP no caso e vai abrir um processo de inquérito

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Comissário da PSP pediu à RTP imagens "de preferência não editadas" Pedro Cunha

O PÚBLICO apurou que o pedido original é do Núcleo de Informações da PSP, uma unidade de natureza secreta integrada na Unidade Especial de Polícia com base em Belas. Nesta unidade, visitada no final de Julho pelo primeiro-ministro, funcionam, entre outros, os serviços que exigem maior nível de confidencialidade da PSP, como o de segurança pessoal, e o corpo de intervenção.

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O PÚBLICO apurou que o pedido original é do Núcleo de Informações da PSP, uma unidade de natureza secreta integrada na Unidade Especial de Polícia com base em Belas. Nesta unidade, visitada no final de Julho pelo primeiro-ministro, funcionam, entre outros, os serviços que exigem maior nível de confidencialidade da PSP, como o de segurança pessoal, e o corpo de intervenção.

Este Núcleo de Informações da PSP é muito restrito, existe há pouco mais de uma década e não aparece na estrutura orgânica da PSP que é divulgada publicamente por o seu trabalho de recolha de informações (sobretudo som e imagem) colidir, de certa forma, com o do SIS. Também há elementos deste núcleo que estão incluídos, entre outros serviços, na Direcção Nacional da PSP.

O pedido de informação partiu do núcleo, passou pela Direcção Nacional e chegou à SIC e à TVI, oficialmente, por correio electrónico, através do Núcleo de Imprensa e Relações Públicas do Comando Metropolitano de Lisboa, na passada semana. Este último serviço não apagara, porém, pelo menos um dos remetentes anteriores: o comissário João Pestana assinava um pedido anterior em que se solicitavam imagens "de preferência não editadas" e que serviriam para usar "como meio de prova dos actos classificados como crime".

Essa pretensão da PSP está na origem de um pedido expresso, neste caso na RTP, onde o processo foi informal, sem sequer ser usado, como obriga a lei, um mandado judicial. No email enviado no dia 15, às 13h35, pela subdirectora de produção Ana Pitas ao departamento de planeamento, pedia-se a gravação em DVD das imagens das câmaras das várias equipas que tinham estado junto ao Parlamento.

O pedido foi feito já depois de os dois elementos da PSP terem estado no gabinete do subdirector Luís Castro a visualizar as imagens com alguns membros da Direcção de Informação, incluindo uma jornalista que estivera no meio dos confrontos. Por isso, o pedido identificava os tempos exactos das imagens que se pretendiam. E pedia também que, "se possível, estas imagens devem ser identificadas com o logo RTP".

A intenção do pedido da aposição do logótipo da RTP era que a PSP pudesse vir a utilizar estas imagens como meio de prova em tribunal. No caso de um processo judicial, as provas só são admissíveis se tiverem sido obtidas por meios legais. Como o Ministério da Administração Interna não pedira à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) a devida autorização prévia - imposta por lei - para fazer filmagens da manifestação e concentração, estava impedido de usar os conteúdos que eventualmente tenham sido captados. A CNPD dera já dois pareceres negativos, em Outubro, aos pedidos do MAI para a PSP usar câmaras portáteis em manifestações porque os pedidos lhe chegaram em cima da hora dos eventos, e a comissão entendeu que a excepcionalidade do pedido não estava fundamentada. Além disso, o gabinete de Miguel Macedo tinha tido tempo para fazer o pedido, já que uma das manifestações fora convocada com uma semana de antecedência.

A filosofia do MAI para pedir autorizações desta natureza à CNPD parece, no entanto, manter-se. De acordo com a porta-voz da comissão, Clara Guerra, para as concentrações de ontem junto à Assembleia da República, o MAI só enviou o pedido na véspera, por fax, pouco depois das 20h. A lei permite que os pedidos possam ser feitos até 48 horas depois da tomada de decisão de uso das câmaras, mas apenas por razões excepcionais de segurança como a existência de indícios ou evidências de que pode haver crimes, admite Clara Guerra. E se a CNPD recusar, as imagens têm de ser destruídas.


ERC abre inquérito

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social decidiu chamar para audição todos os intervenientes da RTP no caso e vai abrir um processo de inquérito, confirmou ao PÚBLICO o presidente. As audições começam na próxima semana, estima Carlos Magno. A abertura do inquérito não está ainda formalizada, mas Carlos Magno considera que "o calendário de procedimentos que se avizinham tornam natural e inevitável" que isso aconteça.

Além disso, a ERC recebeu uma carta aberta da Comissão de Trabalhadores que "é uma espécie de manifesto". "Considero isso uma participação não oficial, e um pedido para que a ERC se pronuncie", afirma o presidente.

Carlos Magno recebe esta tarde das mãos do presidente da RTP as conclusões do inquérito interno que a administração da TV pública decidiu abrir. A conclusão deste inquérito fora anunciada para anteontem, mas devido à audição dos elementos da Direcção de Informação - feita após insistência dos próprios -, foi atrasada para hoje. Alberto da Ponte é recebido, com o responsável pela direcção de Assuntos Jurídicos e Institucionais, Lopes Araújo. Foi esta direcção que conduziu o inquérito.

A ERC começou já a fazer algumas diligências para o seu processo de inquérito, conta Carlos Magno, que lembra que já houve um pedido de parecer, por parte da antiga Alta Autoridade para a Comunicação Social, à Procuradoria-Geral da República sobre os pedidos de acesso da PSP a imagens em bruto das televisões, no caso a TVI. "A ERC tem de abordar a questão da RTP no plano do poder editorial. Defendo que quem deve gerir as imagens em bruto são os directores e editores e que estas servem, e só, para produzir notícias e informação e não para outros fins." Entretanto, a ERC tem já em preparação uma análise em abstracto sobre a questão do acesso por entidades como a PSP a este tipo de imagens, acrescentou ao PÚBLICO o vice-presidente Arons de Carvalho.