Os chimpanzés e orangotangos têm uma curva da felicidade, tal e qual como nós

O ponto mais baixo da felicidade humana surge a meio da vida. Ninguém sabe por que é assim nos humanos. Afinal, agora viu-se que este padrão também se repete nos grandes símios. A felicidade tem uma raiz evolutiva?

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Os orangotangos têm a sua crise de meia-idade por volta dos 35 anos Adek Berry/AFP

Nos humanos, os estudos sobre a felicidade, ou bem-estar, ao longo da vida têm apontado para o padrão em forma de U, como relatou em 2008 a equipa do economista Andrew Oswald, da Universidade de Warwick (Reino Unido), que analisou as respostas de mais de dois milhões de pessoas em 80 países, incluindo países desenvolvidos (Portugal também) e em vias de desenvolvimento (ver “A curva da felicidade ao longo da vida tem a forma de um U, os portugueses são mais felizes aos 66 anos”, PÚBLICO de 30/10/2008).

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Nos humanos, os estudos sobre a felicidade, ou bem-estar, ao longo da vida têm apontado para o padrão em forma de U, como relatou em 2008 a equipa do economista Andrew Oswald, da Universidade de Warwick (Reino Unido), que analisou as respostas de mais de dois milhões de pessoas em 80 países, incluindo países desenvolvidos (Portugal também) e em vias de desenvolvimento (ver “A curva da felicidade ao longo da vida tem a forma de um U, os portugueses são mais felizes aos 66 anos”, PÚBLICO de 30/10/2008).

“Acontece aos homens e às mulheres, aos solteiros e aos casados, aos ricos e aos pobres, aos que têm filhos e aos que não têm”, disse então Oswald sobre a crise da meia-idade, quando divulgou os resultados do trabalho na revista Social Science & Medicine.

Agora, Oswald é um dos autores de um novo artigo, publicado ontem na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, que resultou do estudo de alguns dos nossos parentes mais próximos, chimpanzés e orangotangos.

“Embora alguns académicos tenham levantado dúvidas sobre a existência desse padrão, muita literatura [científica] indica que a felicidade segue o padrão em U ao longo da vida, excepto nos anos mesmo antes da morte”, escreve agora a equipa, que inclui ainda o psicólogo Alexander Weiss, da Universidade de Edimburgo, ou o primatólogo Tetsuro Matsuzawa, da Universidade de Quioto. “Um dos resultados mais importantes é que a forma em U se mantém praticamente intacta perante características económicas e demográficas muito diversas. Esta descoberta surpreendente sugere que as suas causas têm de estar para lá das forças socioeconómicas.”

Presente em populações tão variadas (ainda que o ponto de maior insatisfação não seja exactamente igual em todos os países e em Portugal pareça ser tardio), este padrão não assim conseguido ter explicação cabal. Mas há várias hipóteses. As pessoas felizes vivem mais tempo, por isso seria natural encontrar mais felicidade nos mais velhos, só que esta hipótese não explica a crise de meia-idade. Outra hipótese defende que as pessoas acabam por se adaptar: a meio da vida, os sonhos de realização impossível são dolorosos, mas depois vai-se desistindo deles. Outra hipótese ainda liga a felicidade a menores dificuldades financeiras, e os mais velhos, em teoria, são aqueles que têm mais recursos.

 

Parafernália da vida moderna

A equipa de Weiss e Oswald explorou uma explicação alternativa, ao estudar os 508 símios em jardins zoológicos, centros de investigação e santuários, no Japão, EUA, Canadá, Austrália e Singapura. Aplicou um questionário a tratadores e cientistas que lidam com estes chimpanzés e orangotangos, pedindo-lhes para fazer uma avaliação do estado de humor ou do prazer que os animais tiravam das situações sociais.

Resultado: chimpanzés e orangotangos não só têm a sua curva de felicidade, como atingem o ponto mínimo a meio da vida. Nos chimpanzés, foi por volta dos 28 anos e nos orangotangos aos 35 anos. Este padrão, diz a equipa, pode ter surgido num antepassado comum a humanos e grandes símios. “Os resultados sugerem que a curva do bem-estar humano não é única dos humanos e que, apesar de poder ser em parte explicada por aspectos da vida humana e da sociedade, as suas origens podem residir parcialmente na biologia que partilhamos com os grandes símios”, refere o artigo.

“Esperávamos compreender o famoso quebra-cabeças do padrão da felicidade humana e acabámos por mostrar que não pode ser por causa de empréstimos, divórcios, telemóveis ou outra parafernália da vida moderna”, diz Oswald, citado num comunicado da sua universidade. “Os símios não têm nada disso, mas têm uma crise de meia-idade pronunciada.”