DIAP arquiva queixa contra partilha de ficheiros por ser "impossível" identificar responsáveis

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O Ministério Público defende alterações que contemplem o "direito à educação, à cultura e liberdade de acção no espaço cibernáutico" Foto: Olivier Morin/AFP

Para além de ser "impossível em face não só do número de IP [a Acapor enviou uma lista com 1970 endereços] e do que em termos do trabalho material e gastos tal pressupõe", uma investigação esbarraria numa "séria improbabilidade de positividade de resultados", devido ao facto de muitas partilhas serem feitas através de redes sem fios (em muitos casos, os responsáveis pelos downloads e uploads de ficheiros usam o acesso à Internet de um outro utilizador, que pode não estar consciente desse facto) e "por recurso aos Cybercafés", lê-se no despacho do DIAP de Lisboa.

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Para além de ser "impossível em face não só do número de IP [a Acapor enviou uma lista com 1970 endereços] e do que em termos do trabalho material e gastos tal pressupõe", uma investigação esbarraria numa "séria improbabilidade de positividade de resultados", devido ao facto de muitas partilhas serem feitas através de redes sem fios (em muitos casos, os responsáveis pelos downloads e uploads de ficheiros usam o acesso à Internet de um outro utilizador, que pode não estar consciente desse facto) e "por recurso aos Cybercafés", lê-se no despacho do DIAP de Lisboa.

Por isso, "a identificação do equipamento terminal utilizado para efectuar determinada ligação à Internet só de forma ínfima nos poderia conduzir à identificação concreta do indivíduo que efectivamente utilizou o equipamento para partilha", prossegue o despacho.

A Associação do Comércio Audiovisual, Obras Culturais e de Entretenimento de Portugal (Acapor), através do seu presidente, Nuno Pereira, responde que "não pode, em circunstância alguma, o Ministério Público deixar de proceder a um acto de investigação alegando que tal é oneroso e dá muito trabalho sem que, com isso, esteja a violar a lei e a Constituição. O direito constitucional à segurança não está, ainda, a leilão".

O mesmo responsável adiantou ao PÚBLICO que a associação vai pedir a sua constituição como assistente e a abertura de instrução para pedir a nulidade do despacho, por considerar que "não houve sequer inquérito". Se o juiz de instrução não aceitar o pedido da associação, a Acapor irá "intentar uma acção contra o Estado, porque ficaria provado que em Portugal não existe nenhum tipo de combate à pirataria", seguindo-se "uma queixa junto da Comissão Europeia".

SPA mostra perplexidade e preocupação

Também a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) – que não participou nesta queixa da Acapor ao Ministério Público – mostra o seu desagrado com o teor do despacho do DIAP. Contactado pelo PÚBLICO, o director do departamento jurídico da SPA, Lucas Serra, mostra-se "preocupado com a investigação em Portugal no que concerne aos direitos de autor". Sem querer entrar em pormenores, o responsável garante que a SPA "não vai ficar de braços cruzados" perante a decisão do DIAP.

A Acapor não aceita o argumento do DIAP de que não é possível identificar o responsável por uma partilha na rede P2P (através de programas como o BitTorrent, por exemplo): "Deve portanto a população portuguesa ser alertada que, em Portugal, não é possível investigar casos de difamações pela Internet, burlas no comércio electrónico, phishing ou mesmo de partilha de pornografia infantil. Em suma que, efectivamente, a Internet é um espaço fora da lei."

"Inversão de tudo o que é direito de autor"

Na decisão que levou ao arquivamento da queixa apresentada pela Acapor (que enviou para o Ministério Público uma lista com 2000 endereços de IP –1970 relacionados com a violação dos Direitos de Autor através da partilha de ficheiros em programas como o BitTorrent e 30 respeitantes a ataques informáticos contra o site da associação), o DIAP argumenta que "em tais denúncias, não obstante se identifiquem os ficheiros, não se identificam os elementos de partilha, o eventual sucesso da mesma e sua consumação e, embora aleguem que se trata de obras protegidas, tal protecção em termos de não autorização para disponibilização pública não é minimamente documentada". Isto é, segundo o DIAP, a Acapor não demonstrou que os autores dos filmes partilhados não autorizaram a partilha.

Nuno Pereira, presidente da Acapor, afirma que "é do conhecimento geral que os grandes estúdios de Hollywood, em tempo algum, deram permissão ou autorização para que as suas obras possam ser livremente trocadas e reproduzidas entre computadores. Aliás, seria um facto verdadeiramente novo e, como tal, notícia, se um grade estúdio de Hollywood resolvesse libertar de direitos para livre partilha o seu produto, o que nunca sucedeu."

Para o director do departamento jurídico da SPA, este argumento do DIAP representa "a inversão de tudo o que é direito de autor": "Se eu passar por um Ferrari de porta aberta, não vou entrar só porque não está lá um papel a dizer que não posso entrar", exemplifica Lucas Serra.

Reprodução para uso privado é lícita

Mas o ponto que a Acapor mais contesta no despacho do DIAP – e "a que mais deve preocupar os que defendem a propriedade intelectual" – é a posição do Ministério Público sobre a licitude da partilha de ficheiros. O DIAP considera "lícita" a reprodução para uso privado, "ainda que colocando-se neste tipo de redes a questão de o utilizador agir simultaneamente no ambiente digital em sede de upload e download dos ficheiros a partilhar".

"Esta não é uma interpretação extensiva da lei, é uma efectiva criação de lei. Enquadrar o P2P – onde a partilha das obras é obrigatória e imprescindível para que haja cópia – no regime da cópia privada é algo que esbarra violentamente na lei, uma vez que a excepção da cópia privada apenas pode ser aplicada para reproduções e nunca, em caso algum, para partilhas", defende a Acapor.

DIAP lembra falta de consenso na questão da liberdade digital/violação dos direitos de autor

O despacho do DIAP termina com um apelo a que se repense a legislação em vigor, frisando que "tal juridicidade há-de também ser analisada na perspectiva dos Direitos, do direito à educação, à cultura, da liberdade de acção no espaço cibernáutico, especialmente quando tal liberdade se cinge ao individual, nada se relacionando com questões comerciais, com o lucro de actividade mercantil".

"Aliás, a existir unanimidade de opiniões relativamente ao binómio liberdade digital/violação dos direitos de autor, o SOPA (Stop Online Privacy Act), o PIPA (Protect IP Act) e, mais recentemente, a ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement) teriam assinatura imediata por parte dos países", lê-se no despacho do DIAP.

Tribunais portugueses já condenaram partilha de ficheiros

Em Abril passado, um jovem foi condenado a dois meses de prisão, com pena suspensa – substituída por 280 dias de multa – por ter partilhado ficheiros de música na Internet. O Tribunal Criminal de Lisboa condenou um arguido pelo crime de usurpação por ter partilhado ilegalmente na Internet as músicas Queda de um anjo, dos Delfins, Não há, de João Pedro Pais, e Right through you, de Alanis Morrisette.

A queixa foi apresentada em Abril de 2006 pela Associação Fonográfica Portuguesa (AFP), contra 20 endereços portugueses na Internet que estavam a partilhar ficheiros de música.

A condenação do jovem, em Abril passado, foi a segunda resultante daquela queixa, tendo a primeira sido conhecida em 2008. O director-geral da AFP, Eduardo Simões, lamentou então a morosidade da justiça na condenação deste tipo de casos: "O que esta condenação demonstra é que não é por esta via que se aborda a questão. Não vamos continuar a apresentar este tipo de queixas, pela demora."