De excepção em excepção, o Governo abre mão de milhões de euros

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Foto: Gonçalo Português (arquivo)

O executivo foi-lhes atribuindo os mais diversos nomes: adaptações, regimes especiais, caminhos alternativos. Mas a consequência é uma única: um aumento considerável dos custos com remunerações, num momento em que são pedidos duros sacrifícios ao país.

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O executivo foi-lhes atribuindo os mais diversos nomes: adaptações, regimes especiais, caminhos alternativos. Mas a consequência é uma única: um aumento considerável dos custos com remunerações, num momento em que são pedidos duros sacrifícios ao país.

Há uma outra característica transversal a todas estas decisões: a forma com que têm vindo a público. No caso da TAP e da CGD, o Governo e as próprias empresas tentaram ao máximo conter a informação, pedindo inclusivamente aos sindicatos que não falassem sobre o assunto. Mas, em Março, quando o PÚBLICO avançou que a transportadora aérea estatal iria, tal como tinha acontecido em 2011, manter os salários dos trabalhadores intactos, o Ministério das Finanças viu-se obrigado a confirmar que lhe tinha concedido esse benefício.

Chamou-lhe uma "adaptação", justificando-o com o facto de, no acordo firmado com a tutela, a TAP ter sido obrigada a compensar a excepção aos cortes (que deveriam variar entre 3,5% e 10%) com um emagrecimento de outras despesas com pessoal. Na altura, o Governo disse que essa compensação teria de ser de 73,2 milhões de euros, mas este valor incluía a eliminação dos subsídios de férias e de Natal (54 milhões), que já estava prevista no Orçamento do Estado para 2012.

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Ou seja, retirando esta parcela, o montante que a transportadora realmente se comprometeu a poupar seria de 19,2 milhões. Mas mesmo este valor inclui o ganho com a revisão do acordo de empresa da Groundforce (cerca 12 milhões), que já teria de ser alcançado de qualquer forma pela TAP para conseguir alienar a operadora de handling, detida actualmente em 50,1% por um grupo privado, a Urbanos. Sobravam, por isso, sete milhões de euros, via congelamento das actualizações salariais e um "programa de rejuvenescimento de quadros", explicou o Ministério das Finanças.

Nesse esclarecimento, a tutela acrescentava que a companhia teria ainda de dar continuidade ao plano de redução dos custos operacionais iniciado em 2011, estimando que este ano a poupança com estas medidas alcance os 28 milhões de euros. No entanto, os resultados semestrais da TAP mostram que as despesas aumentaram 6% até Junho, excluindo os gastos com combustível. Uma subida explicada, em grande parte, pelo reforço da oferta.

Negações e silêncios

O executivo viu-se obrigado a prestar estas informações perante a contestação que se gerou em redor da excepção concedida à empresa liderada por Fernando Pinto. Mas, mesmo assim, continuou a negar que o mesmo regime tivesse sido atribuído a mais entidades, apesar de o PÚBLICO ter noticiado que esse também era o caso da CGD. Só alguns dias depois de esta polémica rebentar, e ao contrário do que tinha afirmado até então, é que o ministério veio admitir que tinha chegado exactamente ao mesmo acordo com o banco público, em Janeiro.

A tutela garantiu que a instituição iria pôr em marcha um programa de redução de gastos para substituir os cortes. Na altura, o Diário Económico noticiou que essa compensação passaria por uma poupança de 40 milhões de euros. O PÚBLICO questionou a CGD sobre a execução deste plano, mas o grupo remeteu "para o accionista o ónus de prestar informações sobre a matéria". As Finanças não responderam a nenhuma das perguntas enviadas, sobre esta e todas as restantes medidas tomadas relativamente a excepções salariais. No relatório semestral do banco, refere-se que os custos operacionais em Portugal desceram 8,3%, o que significou uma poupança de 36,4 milhões (dos quais 30,3 em despesas com pessoal, embora não seja possível decifrar de que forma conseguiram chegar a este valor).

A TAP e a CGD são duas das entidades do Sector Empresarial do Estado que mais pessoas empregam e que, por isso, mais dariam a ganhar aos cofres públicos com a concretização dos cortes salariais. Tendo em conta o montante que gastaram com remunerações em 2011 (perto de 800 milhões de euros), a poupança rondaria os 39,3 milhões, aplicando uma redução média de 5% a estes encargos.

Mas muitas outras empresas públicas vieram, na sequência destes anúncios, reclamar o mesmo regime. Foi o caso da ANA, da NAV e dos CTT, por exemplo. Isto porque acreditam que a aplicação cega dos cortes previstos no Orçamento do Estado poderá ser mais prejudicial ao Estado do que criar medidas ajustadas à sua realidade. O Ministério das Finanças não esclareceu se mais alguma entidade beneficiou deste estatuto. Sabe-se apenas que foi também atribuído à transportadora aérea SATA, tutelada pelo Governo Regional dos Açores.

Mais pontas soltas

A manutenção dos cortes salariais em 2012 gerou uma forte onda de contestação, com direito a acções judiciais contra o Estado. E o Governo quis provar que os sacrifícios nas empresas e nos institutos seriam mais profundos para os mais bem pagos. No final do ano passado, começou a desenhar-se uma revolução no regime remuneratório dos gestores destas entidades. Algo que sucessivos governos prometeram, mas não cumpriram.

Em Janeiro, entrou em vigor uma revisão da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, que limitou os vencimentos dos seus responsáveis máximos aos auferidos na administração pública, num máximo de 4512 euros mensais brutos para os presidentes. E, em Abril, arrancou o novo Estatuto do Gestor Público, que acabou com a disparidade e falta de critério na atribuição de salários e passou a indexá-los à complexidade de gestão das empresas do Estado, tendo como tecto a remuneração do primeiro-ministro (6850 euros brutos por mês).

A questão é que, mais uma vez, a regra teve uma excepção. A lei dos institutos conferia, inicialmente, regimes especiais a seis entidades, como o INE e o Infarmed. Na prática, os seus administradores passaram a ser equiparados a administradores de empresas públicas. E, por isso, em vez do limite de 4512 euros, saltaram para a fasquia máxima dos 6850 euros que Passos Coelho aufere mensalmente. Na semana passada, foi publicada a lista final de institutos com direito a este regime: de seis passaram para 18.

O salto salarial que esta excepção permite teve um papel decisivo no aumento do número de institutos abrangidos. Apesar de, em algumas destas 18 entidades os salários passarem a ser menores do que eram antes da revisão da Lei-Quadro, o certo é que o custo com as suas remunerações será superior em 47% aos encargos que o Estado teria de suportar caso não lhes tivesse sido atribuído um regime especial. Sem equiparação a empresas, este grupo custaria por ano três milhões de euros aos cofres públicos. Com as excepções concedidas, a despesa anual vai ser de 4,4 milhões.

Também a revisão do Estatuto do Gestor Público deixou algumas pontas soltas. Cinco empresas foram simplesmente excepcionadas dos cortes: TAP, ANA, CTT, Parque Expo e Empresa de Meios Aéreos (EMA). A justificação dada pelo Governo tem a ver com o facto de estarem em processo de privatização ou de extinção, apesar dos meses que já decorreram e ainda vão decorrer até esses factos estarem consumados. O presidente da transportadora aérea estatal, Fernando Pinto, é o administrador mais bem pago do Sector Empresarial do Estado, tendo recebido 359 mil euros em 2011. Este valor não inclui os mais de 85 mil euros ilíquidos que o gestor brasileiro, há dez anos em Portugal, auferiu a título de subsídio de alojamento por estar fora do país de origem.

Se o Governo não tivesse concedido este estatuto às cinco empresas e até as tivesse inserido no grupo de gestão mais complexa, com direito a pagar um salário igual ao do primeiro-ministro, o custo dos seus cinco presidentes, dois vice-presidentes e 15 vogais seria de 1,8 milhões de euros por ano. Como não haverá limites nas remunerações, a despesa deverá rondar 3,1 milhões, tendo em conta os vencimentos pagos em 2011.

Mas os regimes especiais concedidos a algumas empresas do Estado não ficaram por aqui.

Na revisão do Estatuto do Gestor Público, o Governo deixou outras três entidades de fora, com a justificação de que operam em "regime de concorrência de mercado". Trata-se da RTP, da CGD e da Empordef, que podem pagar aos seus gestores a média de vencimentos dos três anos anteriores à nomeação para o cargo. A excepção depende de uma autorização das Finanças, que foi dada, até aqui, a nove administradores (dois da estação de televisão e sete do banco público), de acordo com despachos publicados em Diário da República.

No caso destas três empresas, o custo com salários rondaria 1,4 milhões de euros caso tivessem ficado no grupo mais complexo, pagando o mesmo vencimento que recebe Passos Coelho. Não é possível determinar qual a diferença face ao que foram autorizados a ganhar, já que, apesar da insistência, o Ministério das Finanças não revelou esses valores. No caso da RTP, os dois gestores beneficiaram do estatuto durante poucos meses, já que o conselho de administração se demitiu no início deste mês. E já se sabe que o novo presidente, Alberto da Ponte, vai abdicar desta excepção.

A polémica do IGCP

Mas este grupo de entidades ganhou um reforço no final do mês passado, com a conversão do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP) em empresa pública. Esta transformação foi decidida em Junho pelo Governo, contrariando o Memorando de Entendimento assinado com a troika, que proíbe a criação de novas entidades no Sector Empresarial do Estado. Nessa altura, o PÚBLICO questionou as Finanças sobre os impactos da medida na remuneração dos novos administradores, que substituíram a equipa liderada, até Março, por Alberto Soares.

A tutela respondeu que o IGCP ficaria classificado no grupo de gestão mais complexa, e, por isso, pagaria no máximo o salário de Passos Coelho. Mas, em Agosto, ficou-se a saber que a decisão foi outra: englobá-lo no grupo de entidades que podem pagar a média de vencimentos dos três anos anteriores à nomeação. Se o que o ministério afirmou fosse verdade, o presidente e os dois vogais só poderiam auferir 249 mil euros, em conjunto, por ano. Mas, ao serem excepcionados deste tecto, o seu vencimento poderá ir até meio milhão de euros, só porque a lei não permite que ganhem mais do que a anterior administração.