Vida na floresta durante cinco anos não passou de uma mentira
Montou bem a história, e, em Setembro, quando apareceu na Câmara Municipal de Berlim, fez a polícia alemã ponderar que estivesse a dizer a verdade. No entanto, algumas pontas soltas no seu enredo e factos demasiado improváveis conduziram à resolução do mistério.
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Montou bem a história, e, em Setembro, quando apareceu na Câmara Municipal de Berlim, fez a polícia alemã ponderar que estivesse a dizer a verdade. No entanto, algumas pontas soltas no seu enredo e factos demasiado improváveis conduziram à resolução do mistério.
1,80m, cabelo castanho claro, olhos azuis, três cicatrizes na testa, mais três no queixo e uma no braço direito. Carregava uma mochila e uma tenda de dois lugares, chamava-se “Ray” e vinha da floresta, onde tinha passado cinco anos a viver em cavernas com o pai. Nascera a 20 de Junho de 1994, por isso, tinha 17 anos. Um acidente de carro deixara-o órfão de mãe, aos 12 anos, e o pai também morrera duas semanas antes. E era tudo quanto sabia.
Antes de morrer, porém, o pai dissera-lhe: “Caminha para norte até chegares à civilização e pede ajuda”. Foi com esta versão, num inglês que não parecia ser a sua língua materna, que o rapaz se apresentou na chegada a Berlim. Do resto não se lembrava de nada.
Podia ser verdade ou podia ser mentira. A polícia alemã deitou mãos à obra e, durante a investigação, o rapaz ganhou a alcunha de “forest boy” (rapaz da floresta). A tenda em bom estado, o aspecto demasiado higiénico para quem tinha caminhado durante tanto tempo e a facilidade de adaptação às novas tecnologias depois de anos de vida selvagem indiciavam que a história estaria mal contada.
Com um amuleto ao pescoço com as iniciais D e R, que pertenceriam aos nomes dos pais – Doreen e Ryan- “Ray” não dizia mais nada. Sem sucesso, partiram em busca do corpo do pai e os meses iam passando.
“Temos bastantes dúvidas da sua versão dos factos”, disse o porta-voz da polícia de Berlim aos meios de comunicação alemães. Sem a colaboração de “Ray”, cuja nacionalidade não conseguiam descobrir, a estratégia das autoridades recaía sobre o apelo internacional por informação que pudesse ajudar na sua identificação.
A Interpol foi informada e desenvolveu um perfil com base no seu ADN, que mostrava que “Ray” deveria ser europeu. As impressões digitais também foram analisadas, mas sem resultados.
“Quase um ano depois de ele ter aparecido, continua tudo a ser um completo mistério”, acrescentou o porta-voz da polícia de Berlim. Depois de muita discussão, o “forest boy”, que até então ficara a viver num abrigo para jovens e já sabia falar alemão, deixou-se fotografar. E da circulação mundial dessa fotografia saiu a resolução do mistério.
Afinal não se chama “Ray”, mas Robin van Helsum. Não tem 17, mas 20 anos. E não viveu na floresta, fugiu de casa, em Hegelo, no noroeste Holanda. Quem o identificou foi a madrasta, depois de ver a sua fotografia, divulgada nesta terça-feira. “Estamos 100% certos de que se trata do rapaz de 20 anos que foi identificado pela madrasta”, confirmou o porta-voz da polícia de Hengelo ao jornal Die Welt. “Estamos muito satisfeitos por tê-lo encontrado”, acrescentou. Os factos confirmam-se, mistério resolvido.
Segundo os meios de comunicação germânicos, van Helsum teria sido visto pela última vez, três dias antes de aparecer na Câmara Municipal de Berlim, na capital alemã com um amigo. Um colega de escola contou à televisão holandesa NOS que o rapaz tinha problemas pessoais e que, provavelmente, “teria encontrado uma forma de começar uma vida nova”.
A confirmar-se que enganou deliberadamente a polícia, van Helsum pode enfrentar consequências judiciais, adiantou o porta-voz da polícia de Berlim, Michael Maass.