Optimus Primavera Sound: a chuva não esmoreceu Kings, The xx e Weeknd

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Um festival ao ar livre também se arrisca a ser isto. Chuva, alguma lama e os impermeáveis a tapar a roupa que se queria exibir no parque da cidade. Sim, ao terceiro dia, a chuva apareceu a sério, transformando o paraíso num lugar mais difícil.
Existem muitas formas de lidar com os momentos de crise. James Ferraro desapareceu em parte incerta e os americanos Death Cab For Cutie foram-se embora porque, segundo um membro da organização, o palco não reunia todas as condições à hora marcada e o grupo tinha de seguir viagem. Um pouco estranho.

Mas não tem de ser assim. Que o digam os noruegueses Kings Of Convenience. Em 2002 chegaram a um festival de música electrónica no Meco (Optimus.Hype@Meco) e, no meio da parafernália dançante, munidos apenas de duas violas acústicas, puseram toda a gente a ouvi-los e a bater palmas a compasso.

Dez anos depois, e muitas vindas a Portugal pelo meio, aterraram no palco maior do Primavera Sound, munidos das mesmas violas. É verdade que a essa hora a chuva já tinha acalmado, mas o som de um outro palco teimava em intrometer-se no meio da sua música quase silenciosa. Em vez de virarem costas às contrariedades, assumiram-nas e contornaram-nas.

Para quem já os viu inúmeras vezes, como nós, a sua música e atitude não possui o mesmo efeito de encanto. Mas que bom é de ver que, dez anos depois, mantém intacta a vontade de conquistar, fazendo-o com uma graça natural desarmante. E o público rendeu-se-lhes incondicionalmente. Foi deles e dos The xx o – passe a expressão – banho de multidão do terceiro dia.

Inicialmente, fizeram-no apenas à guitarra, com as 20 mil pessoas – antes do som do palco ATP se intrometer – quase silenciosas a ouvir a filigrana folk que partia do palco. “Quase que se pode ouvir o vento nas árvores” dizia alguém. Depois vieram mais três músicos e as canções (de
Failure a Misread) foram desfilando, sem pressas, com o duo a interagir com a assistência e esta a mostrar que sabia muitas das letras de cor.
Às tantas, Erlend Oye improvisou uma letra, reflectindo porque são um caso de sucesso em Portugal, discorrendo sobre a forma como eles e os portugueses vivem a tristeza e a alegria, numa espécie de melancolia feliz. Talvez seja isso, então. Embora o acto de pensar sobre o assunto já seja parte da explicação.

De tal forma o som do palco ATP era intenso que não resistimos a dar-lhe alguma atenção. E não nos desiludimos, com os Dirty Three, a proporem uma catarse para violino, bateria e baixo, e o líder (o barbudo Warren Ellis, cúmplice de Nick Cave nos Grinderman) com a habitual performance de fisicalidade caótica.

No mesmo palco, depois, surgiram os Forest Swords e os Demdike Stare, duas das propostas mais exploratórias da electrónica narcótica e futurista do Reino Unido. E soube bem. Em particular os primeiros, com um baixista e um programador de sons em sintonia, numa música sombria pós-Burial, que parte de linguagens como o dub e dubstep, sem perder a singularidade.

Indefiníveis são também os The Weeknd, projecto do canadiano Abel Tesfaye, autores daquele que terá sido o melhor concerto da noite. Para quem entra na música do projecto, claro. Porque quem fica à porta, nunca os entenderá. A sua música parece perfeitamente enquadrável, algures entre o R&B, o hip-hop e a electrónica. E no entanto, não o é. Em disco parecem um grupo de laboratório. Em palco, apresentam uma orgânica e um dinamismo surpreendentes, com a voz em falsete de Abel sempre entrecortada por guitarras ruidosas e um balanço rítmico poderoso, com baixo e bateria a procurarem o ângulo inusitado. Nem nós, que gostamos muito da sua música, esperávamos tanto.

No campo das expectativas, a maior desilusão terão sido os Saint Etienne. Em décadas passadas foram capazes de compor algumas das canções pop electrónicas mais cantaroláveis que o Reino Unido já conheceu, mas ali pareceram desenquadrados. O mesmo se poderia dizer dos Spiritualized, embora estes tenham a enorme atenuante de terem actuado quando a chuva era intensa e Portugal se preparava para a estreia no Europeu de futebol.

Se na véspera já era difícil ter um roteiro de concertos previamente definido, com quatro palcos a funcionar, ontem mais difícil foi com a chuva. Lee Ranaldo ou Afghan Whigs foram apenas alguns dos que não vimos. Dos Washed Out e dos Wavves vimos um pouco e pela reacção entusiasta da assistência, no final de ambos, é capaz de ter sido bem bom.

Se existe qualquer coisa que define o Primavera Sound é precisamente a possibilidade de cada um criar o seu próprio roteiro, criando uma narrativa sua para o festival. Cada um terá a sua própria visão do mesmo. O evento, entre outras coisas, teve o efeito de contrariar uma série de chavões que existem sobre os festivais, nomeadamente dois: em primeiro lugar que são reduto apenas para adolescentes. No recinto viu-se um público adulto e exigente, que sai de casa quando o cartaz o alicia e quando não é inundado de publicidade apenas dirigida a adolescentes.

Em segundo, a própria música. Por mais que a realidade seja complexa ainda existe a ideia de que há um tipo de bandas que se adequa mais a festivais. Os Beach House na sexta e os The Weeknd, Kings Of Convenience e The xx contrariaram em absoluto esse cliché. No último grande concerto da noite de ontem o trio de ingleses tratou de o demonstrar mais uma vez.

Sem grandes artefactos cénicos e com uma presença contida mas autêntica em palco, os The xx voltaram a conquistar. E não optaram pelo mais fácil, que seria basearem a sua prestação apenas no álbum homónimo de 2009. Não. Decidiram apresentar algumas das canções que integrarão o álbum
Coexist, a lançar em Setembro. Pela amostra, parecem ainda canções mais descarnadas, se tal é possível, do que aquelas que já se conhece.
Nota-se também que Jamie xx, que fica lá atrás, tem agora mais protagonismo, afirmando-se como o verdadeiro operador sonoro, enquanto Romy Madley e Oliver Sim se entregam aos jogos vocais, com a voz aveludada dela a entrelaçar-se na perfeição com o registo grave dele e com as linhas de baixo redondas.

Passaram em revista o seu único álbum (
Islands, Crystalized, Basic Space ou VCR), com todas as canções a serem reconhecidas ao primeiro acorde pelo público. É esse efeito de reconhecimento – no som minimal mas penetrante e na postura introvertida mas verdadeira – que cria pontes com o público que, ou respeita o espaço entre notas, ou reage efusivamente, acabando por criar um clima especial nos concertos do trio.
Hoje, na Casa da Música e no Hard Club, já em regime de fim de festa, ainda há concertos com Olivia Tremor Control, Kindness ou Veronica Falls E para o ano, garantiu a organização, haverá mais. Ainda bem, porque foi um excelente festival. Valeu a pena.

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Um festival ao ar livre também se arrisca a ser isto. Chuva, alguma lama e os impermeáveis a tapar a roupa que se queria exibir no parque da cidade. Sim, ao terceiro dia, a chuva apareceu a sério, transformando o paraíso num lugar mais difícil.
Existem muitas formas de lidar com os momentos de crise. James Ferraro desapareceu em parte incerta e os americanos Death Cab For Cutie foram-se embora porque, segundo um membro da organização, o palco não reunia todas as condições à hora marcada e o grupo tinha de seguir viagem. Um pouco estranho.

Mas não tem de ser assim. Que o digam os noruegueses Kings Of Convenience. Em 2002 chegaram a um festival de música electrónica no Meco (Optimus.Hype@Meco) e, no meio da parafernália dançante, munidos apenas de duas violas acústicas, puseram toda a gente a ouvi-los e a bater palmas a compasso.

Dez anos depois, e muitas vindas a Portugal pelo meio, aterraram no palco maior do Primavera Sound, munidos das mesmas violas. É verdade que a essa hora a chuva já tinha acalmado, mas o som de um outro palco teimava em intrometer-se no meio da sua música quase silenciosa. Em vez de virarem costas às contrariedades, assumiram-nas e contornaram-nas.

Para quem já os viu inúmeras vezes, como nós, a sua música e atitude não possui o mesmo efeito de encanto. Mas que bom é de ver que, dez anos depois, mantém intacta a vontade de conquistar, fazendo-o com uma graça natural desarmante. E o público rendeu-se-lhes incondicionalmente. Foi deles e dos The xx o – passe a expressão – banho de multidão do terceiro dia.

Inicialmente, fizeram-no apenas à guitarra, com as 20 mil pessoas – antes do som do palco ATP se intrometer – quase silenciosas a ouvir a filigrana folk que partia do palco. “Quase que se pode ouvir o vento nas árvores” dizia alguém. Depois vieram mais três músicos e as canções (de
Failure a Misread) foram desfilando, sem pressas, com o duo a interagir com a assistência e esta a mostrar que sabia muitas das letras de cor.
Às tantas, Erlend Oye improvisou uma letra, reflectindo porque são um caso de sucesso em Portugal, discorrendo sobre a forma como eles e os portugueses vivem a tristeza e a alegria, numa espécie de melancolia feliz. Talvez seja isso, então. Embora o acto de pensar sobre o assunto já seja parte da explicação.

De tal forma o som do palco ATP era intenso que não resistimos a dar-lhe alguma atenção. E não nos desiludimos, com os Dirty Three, a proporem uma catarse para violino, bateria e baixo, e o líder (o barbudo Warren Ellis, cúmplice de Nick Cave nos Grinderman) com a habitual performance de fisicalidade caótica.

No mesmo palco, depois, surgiram os Forest Swords e os Demdike Stare, duas das propostas mais exploratórias da electrónica narcótica e futurista do Reino Unido. E soube bem. Em particular os primeiros, com um baixista e um programador de sons em sintonia, numa música sombria pós-Burial, que parte de linguagens como o dub e dubstep, sem perder a singularidade.

Indefiníveis são também os The Weeknd, projecto do canadiano Abel Tesfaye, autores daquele que terá sido o melhor concerto da noite. Para quem entra na música do projecto, claro. Porque quem fica à porta, nunca os entenderá. A sua música parece perfeitamente enquadrável, algures entre o R&B, o hip-hop e a electrónica. E no entanto, não o é. Em disco parecem um grupo de laboratório. Em palco, apresentam uma orgânica e um dinamismo surpreendentes, com a voz em falsete de Abel sempre entrecortada por guitarras ruidosas e um balanço rítmico poderoso, com baixo e bateria a procurarem o ângulo inusitado. Nem nós, que gostamos muito da sua música, esperávamos tanto.

No campo das expectativas, a maior desilusão terão sido os Saint Etienne. Em décadas passadas foram capazes de compor algumas das canções pop electrónicas mais cantaroláveis que o Reino Unido já conheceu, mas ali pareceram desenquadrados. O mesmo se poderia dizer dos Spiritualized, embora estes tenham a enorme atenuante de terem actuado quando a chuva era intensa e Portugal se preparava para a estreia no Europeu de futebol.

Se na véspera já era difícil ter um roteiro de concertos previamente definido, com quatro palcos a funcionar, ontem mais difícil foi com a chuva. Lee Ranaldo ou Afghan Whigs foram apenas alguns dos que não vimos. Dos Washed Out e dos Wavves vimos um pouco e pela reacção entusiasta da assistência, no final de ambos, é capaz de ter sido bem bom.

Se existe qualquer coisa que define o Primavera Sound é precisamente a possibilidade de cada um criar o seu próprio roteiro, criando uma narrativa sua para o festival. Cada um terá a sua própria visão do mesmo. O evento, entre outras coisas, teve o efeito de contrariar uma série de chavões que existem sobre os festivais, nomeadamente dois: em primeiro lugar que são reduto apenas para adolescentes. No recinto viu-se um público adulto e exigente, que sai de casa quando o cartaz o alicia e quando não é inundado de publicidade apenas dirigida a adolescentes.

Em segundo, a própria música. Por mais que a realidade seja complexa ainda existe a ideia de que há um tipo de bandas que se adequa mais a festivais. Os Beach House na sexta e os The Weeknd, Kings Of Convenience e The xx contrariaram em absoluto esse cliché. No último grande concerto da noite de ontem o trio de ingleses tratou de o demonstrar mais uma vez.

Sem grandes artefactos cénicos e com uma presença contida mas autêntica em palco, os The xx voltaram a conquistar. E não optaram pelo mais fácil, que seria basearem a sua prestação apenas no álbum homónimo de 2009. Não. Decidiram apresentar algumas das canções que integrarão o álbum
Coexist, a lançar em Setembro. Pela amostra, parecem ainda canções mais descarnadas, se tal é possível, do que aquelas que já se conhece.
Nota-se também que Jamie xx, que fica lá atrás, tem agora mais protagonismo, afirmando-se como o verdadeiro operador sonoro, enquanto Romy Madley e Oliver Sim se entregam aos jogos vocais, com a voz aveludada dela a entrelaçar-se na perfeição com o registo grave dele e com as linhas de baixo redondas.

Passaram em revista o seu único álbum (
Islands, Crystalized, Basic Space ou VCR), com todas as canções a serem reconhecidas ao primeiro acorde pelo público. É esse efeito de reconhecimento – no som minimal mas penetrante e na postura introvertida mas verdadeira – que cria pontes com o público que, ou respeita o espaço entre notas, ou reage efusivamente, acabando por criar um clima especial nos concertos do trio.
Hoje, na Casa da Música e no Hard Club, já em regime de fim de festa, ainda há concertos com Olivia Tremor Control, Kindness ou Veronica Falls E para o ano, garantiu a organização, haverá mais. Ainda bem, porque foi um excelente festival. Valeu a pena.